quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

LEITURA ESPIRITUAL - Dia 21 de janeiro

Da privação de toda a consolação
  
   Grandíssima coisa é em nada buscar-se a si mesmo nem olhar seu próprio merecimento. De bom grado recebemos as consolações humanas, mas com dificuldade se despoja o homem de si mesmo. 
   Quem ama deveras a Nosso Senhor Jesus Cristo, não O procura por causa das consolações espirituais; procura o Deus das consolações e não as consolações de Deus. Só deseja sofrer por Cristo duros trabalhos.
   O ilustre mártir São Lourenço venceu o mundo pisando aso pés o amor das criaturas e até a afeição que tinha a São Xisto, sumo Sacerdote do Senhor, a quem ele muito amava. Por amor de Jesus sofreu com paciência que o separassem deste seu Pai espiritual. 
   Não te aflijas, se acontecer que algum amigo te deixe, pois sabes que um dia nos apartaremos uns dos outros.
   Quando Deus te der alguma consolação espiritual, recebe-a agradecido, reconhecendo que é dom de Deus e não merecimento teu. Com ela não te desvaneças nem te alegres em excesso, nem presumas vãmente de ti, mas humilha-te pelo dom recebido, e sê mais acautelado e timorato em todas as tuas obras: porque passará aquela hora de alegria e virá a tentação. A tentação é um sofrimento, mas temos que ter paciência. Assim, quando te for tirada a consolação, não desespere logo, mas espera com humildade e paciência que volte essa alegria celeste: porque poderoso é Deus para a dar de novo e ainda maior que a precedente. Isto não é novo nem estranho para os que têm experiência dos caminhos do Senhor. Os grandes santos e os antigos profetas experimentaram muitas vezes esta alternativa de paz e de perturbação; de tranquilidade e de tentações. Um deles (Davi), sentindo a presença da graça, exclamava: "Disse na minha abundância: não serei abalado jamais!" Porém, vendo que a consolação da graça  se ausentava dele, acrescentava: "Apartaste de mim o Vosso rosto, e logo fui conturbado" (Ps., XXIX,7,8). Mas o profeta Davi nesta perturbação, porém, não desespera, antes com maior instância roga ao Senhor, dizendo: "A Vós, Senhor, clamarei, e a meu Deus invocarei" (Ib. 9). Por fim alcança o fruto de sua oração, e dá testemunho de ter sido ouvido, dizendo: "Ouviu-me o Senhor e teve compaixão de mim; o Senhor declarou-se meu protetor" (Ib. II). Mas em que? "Convertestes, diz, meu pranto em gozo e cercastes-me de alegria" (Ib. 12).
   Em que posso eu esperar, ou em que devo pôr minha confiança senão na infinita misericórdia de meu Deus e na esperança da graça celestial? Porque, ainda que esteja cercado de homens bons, de amigos fiéis; ainda que leia santos livros e formosos tratados; ainda que ouça doces hinos e suaves cânticos; tudo isto pouco me aproveita, e tem pouco sabor, quando sou desamparado da consolação e entregue à minha própria pobreza. Não acho então melhor remédio que a paciência, a renúncia de mim mesmo e a resignação na vontade de Deus. Ele deu-me consolação, Ele ma tirou, o que foi do agrado de Deus foi feito, seja sempre bendito o seu Santo Nome. 
   Não encontrei nunca homem tão religioso e devoto que alguma vez se não visse privado da consolação divina, ou não sentisse diminuição de fervor. Nenhum santo foi tão altamente arrebatado e da luz divina esclarecido, que antes ou depois não fosse tentado. 
   Não é, pois, digno da alta contemplação de Deus quem por Ele não sofreu alguma tribulação. A tentação anuncia, de ordinário, a consolação que deve seguir-se; porque aos provados na tentação é prometida a consolação celestial. "Ao que vencer, diz o Senhor, darei a comer o fruto da árvore da vida" (Apoc. II, 7). 
   Deus dá a consolação para que o homem tenha mais força para suportar as adversidades. Permite, porém, depois que a tentação o combata para que não se desvaneça no tempo da prosperidade. 
   O demônio não dorme, nem a carne ainda está morta: por isso não cesses de te armar para a batalha. À direita e à esquerda estão inimigos, que nunca descansam. Nossa vida sobre a terra é uma luta renhida e diuturna. A Pátria do repouso eterno é o Céu. Agora, na terra, temos tréguas mas não férias, em se tratando da vida espiritual. 
  Minha alma, quando por todos os lados te sentires atraiçoada na terra, eleva-te ao Céu, porque Deus não está longe dos aflitos; talvez não vejamos suas pegadas no deserto de nossa vida, mas é porque Ele nos leva nos seus braços. Na verdade as pegadas são d'Ele e não nossas. A verdadeira doutrina lança raízes em nossas lágrimas e dá frutos de virtude para a vida eterna. 
   O ramalhete espiritual será o propósito de São Paulo: "Gloriar-me-ei em minhas enfermidades para que habite em mim a força de Jesus Cristo"(2Cor. XII, 9). 

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