"Disseram-lhe os discípulos: Se tal é a condição do homem a
respeito da sua mulher[não poder se separar dela senão em caso de adultério e
mesmo assim, se o fizer, não poder se casar com outra], não convém
casar. Ele disse-lhes: Nem todos compreendem esta palavra, mas somente aqueles
a quem foi concedido. Porque há eunucos que nasceram assim do ventre da sua
mãe, há eunucos a quem os homens fizeram tais e há eunucos que a si mesmos se
fizeram [no sentido espiritual] eunucos por amor do reino dos
céus. Quem pode compreender compreenda" (S. Mateus XIX, 10-12).
O Papa Pio XI em 20 de dezembro de 1935 escreveu a Encíclica
"AD CATHOLICI SACERDOTII", Sobre o Sacerdócio Católico.
Transcreverei apenas o que expôs o Papa sobre o celibato
eclesiástico, nos números 65-73:
65. Intimamente
relacionado com a piedade anda outro ornamento gloriosíssimo do Sacerdócio
católico, a castidade, cuja observância integral e perfeita é uma obrigação tão
grave para os clérigos da Igreja Latina, constituídos em Ordens maiores que, se a ela faltarem,
serão por isso mesmo réus de sacrilégio (Cod. Jur. Can., c. 132, § 1). E, se
esta lei não obriga em todo o seu rigor aos clérigos da Igreja Oriental, ainda
entre eles é tido em honra o celibato eclesiástico; e em certos casos, -
particularmente, tratando dos supremos graus da Hierarquia - é um requisito
necessário e obrigatório.
66. Que esta virtude convém ao ministério sacerdotal, basta
a simples luz da razão humana para o demonstrar, pois: "sendo Deus
espírito" (Jo 4, 24), parece de toda a conveniência que quem se consagra
ao divino serviço, em certo modo "se despoje do corpo". Já os antigos
Romanos tinham visto esta conveniência: porquanto, citando o maior dos seus
oradores esta lei antiquíssima: "Dos deuses aproximai-vos
castamente", comenta-a com estas palavras: "Manda a lei aproximar-se
dos deuses castamente, isto é, com a alma casta, da qual tudo depende; não
exclui, porém, a castidade do corpo; mas isto deve entender-se assim: sendo a
alma muito superior ao corpo, se se deve conservar a pureza dos corpos, muito
mais se deve guardar a das almas" (M. T. Cícero, De leg. lib., II, c. 8 e
10). E no Antigo Testamento, a Aarão e a seus filhos fora ordenado por Moisés
em nome de Deus que durante a semana em que se realizasse a sua consagração,
não saíssem do Tabernáculo, e portanto guardassem continência durante aqueles
dias (Cf. Lev. 8, 33-35).
67. Ora ao Sacerdote na Nova Lei, tão superior ao da Antiga,
sem dúvida que se exige maior pureza e castidade. Os primeiros traços do
celibato eclesiástico são-nos descritos na cânon 33 do Concílio de Elvira (Com
Eliberit., cân. 33; Mansi, t. II, col. 11), celebrado nos princípios do século
IV, quando ainda ardia o fogo da perseguição do nome cristão; o que certamente
prova que esta prática já há muito estava em uso. E esta prescrição da lei não
faz mais, por assim dizer, do que dar força de obrigação a um como postulado
que se deriva do Evangelho e da pregação apostólica.
68. O ter o Divino Mestre, a quem chamamos num hino
"flor da Virgem Mãe" (Cf. Brev. Rom. Hymn. ad Laudes in festo SS.
Nom. Jesu), mostrado tão grande estima do dom da castidade, que o exaltou como
coisa superior à virtude comum dos homens (Cf. Mt 19, 11); o ter querido ser
educado desde os mais tenros anos na casa de Nazaré com Maria e José, ambos
eles virgens; o ter amado com especial predileção as almas puras e virginais de
João Batista e João Evangelista; o ouvir enfim o Apóstolo das gentes, aquele
fiel intérprete da lei evangélica e da doutrina de Cristo, apregoar as
excelências inestimáveis da virgindade, em ordem sobretudo ao serviço de Deus
mais cuidadoso: "Quem está sem
mulher, está solícito das coisas que são do Senhor, de como há de agradar a
Deus" (1 Cor 7, 32): tudo isto, Veneráveis Irmãos, não podia deixar de
dar em resultado que os sacerdotes da Nova Aliança não somente sentissem a
atração celestial desta virtude tão privilegiada, mas se esforçassem por ser
contados em o número daqueles "a
quem foi dado compreender esta palavra" (Cf. Mt 19, 11), e se
impusessem espontaneamente a si mesmos a observância desta continência
sacerdotal, o que em seguida foi sancionado, em toda a Igreja Latina, por
gravíssimo preceito da autoridade eclesiástica. Porquanto, já ao fim do século
quarto, faz esta exortação o Concílio de Cartago: "a fim de que também nós
guardemos o que os Apóstolos ensinaram e toda a antiguidade observou"
(Conc. Carthag., can. 2; cf. Mansi, Collet. Conc., t. III, col, 191).
69. Não faltam testemunhos, nem sequer dos mais ilustres
Padres orientais, que exaltam a excelência do celibato eclesiástico e atestam
que ainda neste ponto havia então acordo entre a Igreja Latina e a Oriental
naquelas regiões onde estava em vigor disciplina mais rigorosa. E assim, - para
aduzirmos os exemplos mais ilustres
- S. Epifânio, ao fim do mesmo
quarto século, afirma que o celibato se estendia já aos subdiáconos:
"Aquele que vive ainda ao matrimônio e tem que atender a seus filhos,
posto que seja marido duma só mulher, de forma alguma o admite [a Igreja] à
ordem de diácono, presbítero, bispo ou subdiácono, mas tão somente aquele que
se houver separado da sua única consorte, ou for viúvo; disciplina esta que
sobretudo se guarda nos lugares onde se observam com exatidão os cânones
eclesiásticos" (S. Epifânio, Adversus haeres, 59, 4; Migne, P G, XLI, col.
1024).
70. Mas nesta matéria sobre todos parece eloquente S. Efrém
Sírio, Diácono de Edessa e Doutor da Igreja universal, "chamado com razão
cítara do Espírito Santo" (Brev. Rom., d. 18 de jun. lect 6). Dirigindo-se
a Abraão, Bispo amigo seu, assim lhe diz nestes versos: "Bem acreditais o
nome que tens, Abraão, porque também tu foste feito pai de muitos; mas, porque
tu não tens esposa, como Abraão teve Sara, eis que a tua grei é a tua esposa.
Educa os seus filhos na tua verdade, sejam para ti filhos do espírito e filhos
da promessa, a fim de que venham a ser herdeiros no Éden. Ó fruto formoso da
castidade, em que se compraz o Sacerdócio!... A âmbula transbordante do óleo
sagrado ungiu-te, a mão sacerdotal pousou sobre ti e escolheu-te, a Igreja
desejou-te e amou-te" (Carmina Nisibaena, carm. 19). E noutro lugar:
"Não basta ao Sacerdote e ao seu bom nome, enquanto oferece o corpo vivo
[de Cristo], purificar a alma e a língua, lavar as mãos e conservar limpo todo
o corpo, mas deve ser completamente puro em todo o tempo, porque está posto
como mediador entre Deus e o gênero humano. Seja louvado Aquele que purificou
os seus ministros" (Ibid., carm. 18). Igualmente afirma S. Crisóstomo que
"o que exerce o sacerdócio deve ser tão puro, como se estivesse colocado
nos céus entre as Potestades" (De sacerd., I, III, c. 4; Migne, PG,
XLVIII, 642).
71. Demais, a mesma sublimidade do Sacerdócio cristão e,
para empregar a expressão de S. Epifânio, a sua "inacreditável honra e
dignidade", que acima sumária e concisamente acenamos, demonstra a suma
beleza do celibato e a oportunidade da lei que o impõe aos ministros sagrados
do altar: quem desempenha um ofício superior, em certo modo, ao dos espíritos
celestiais "que estão na presença do Senhor" (Cf. Tob 12, 49; 1 Cor
7, 32), não é razão que leve, quanto possível, uma vida celestial? Quem tem
obrigação de estar inteiramente "nas coisas que são do Senhor" (Cf.
Lc 2, 49; 1 Cor 7, 32), não é justo que viva separado das coisas terrenas e
tenha "a sua conversação nos céus"? (Cf. Filip 3, 20). Quem há de tão
solicita e constantemente andar empregado na salvação eterna das almas que
continue por sua parte a obra divina do Redentor, não é conveniente que tenha a
alma livre e desembaraçada dos cuidados duma família própria, que absorveriam
grande parte da sua atividade?
72. Grande, na verdade, e digno da mais comovida admiração é
o espetáculo, que tão frequentemente se repete na Igreja Católica: ver os
jovens levitas, que, antes de receberem a ordem do Subdiaconato, isto é, antes
de se consagrarem absolutamente ao serviço e ao culto de Deus, espontânea e
jubilosamente prometem renunciar aos gozos e satisfações que em outro gênero de
vida honestamente se poderiam permitir. Espontânea e jubilosamente, dizemos;
portanto, se, depois de recebida a Ordem sacra, já lhes não é permitido
contrair núpcias terrenas, para a ordenação contudo avançam sem a menor coação
de qualquer lei ou pessoa, mas sim movidos por sua própria vontade (Cf. Cod.
Jur, Can., Can. 971).
73. Não obstante o que até aqui levamos dito em favor do
celibato eclesiástico, não queremos que seja interpretado, como se tivéssemos
intenção de desaprovar e censurar em certo modo a disciplina diversa, que
legitimamente foi introduzida na Igreja Oriental: de fato, a nossa única
intenção é exaltar aquela verdade, que não somente consideramos como uma das
glórias mais preclaras do Sacerdócio católico, mas também nos parece
corresponder mais digna e convenientemente aos desígnios e desejos do
Sacratíssimo Coração de Jesus acerca das almas sacerdotais".
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