Eis aqui, caríssimos, a encantadora resposta que São Francisco de Sales deu a algumas religiosas que, tendo jejuado todo o ano três vezes por semana, julgavam, para a perfeição, dever jejuar quatro vezes no ano que começava.: "Se, respondeu o santo diretor, para chegar à perfeição, deveis jejuar quatro vezes este ano, pela mesma razão no ano seguinte deveis jejuar cinco, depois seis, depois sete, por consequência toda a semana. Em virtude deste mesmo princípio, para avançar na perfeição pelo aumento dos jejuns, será preciso jejuar progressivamente, duas vezes por dia, depois três, depois quatro e cinco vezes, e aquelas cuja vida for longa deverão jejuar sessenta, setenta, oitenta vezes por dia. O que se diz do jejum pode aplicar-se a todos os outros atos de piedade".
Caríssimos, em vez de multiplicar as práticas de piedade que, o mais das vezes, fatigam o espírito em vez de lhe darem repouso, aplicai-vos antes a aperfeiçoar as vossas práticas de todos os dias, desempenhando-as com mais tranquilidade de alma, fervor e pureza de intenção. E até, quando não puderdes desempenhar comodamente todas as vossas piedosas práticas de cada dia, abreviai-as, suprimi-as suficientemente , afim de que sejam feitas com tranquilidade. O espírito de perfeição, segundo São Bernardo, não consiste em fazer muitas coisas, nem coisas grandes: mas em fazer coisas comuns e diárias, corriqueiras, em fazê-las, contudo, dum modo não comum. Aplicai-vos, caríssimos, sobretudo a aperfeiçoar os deveres de vosso estado.
O fim da perfeição é unicamente o amor de Deus; mas para lá chegar há caminhos diversos. Os próprios santos seguem caminhos diferentes. São Bernardo proibia aos seus monges que consultassem os homens da arte e aceitassem os seus socorros, enquanto que Santo Inácio obedecia com exatidão ao seu médico. Lemos na vida de São Bento que nunca ninguém o viu rir, enquanto que São Francisco de Sales ria com toda a gente, e mostrava um espírito de jovialidade e de santa alegria. Santo Hilarião olhava como uma delicadeza mudar de cilício, e Santa Catarina de Sena, pelo contrário, costumava dizer que a limpeza exterior é o símbolo da pureza da alma. Se consultais São Jerônimo, parecer-vos-á que não fala senão de rigores; se vos dirigis a Santo Agostinho, só ouvis a linguagem do amor. Caríssimos, na verdade, a graça de Deus aperfeiçoa gradualmente, mas não destrói a natureza. Diz o Salmo: "Que todo espírito louve o Senhor". Assim, não devemos nem condenar as diversas práticas dos santos nem segui-las em tudo.
Caríssimos, outra coisa que deveis observar: não julgueis estar fora do caminho da perfeição, porque caís em algumas faltas e tendes certos defeitos. Tiveram-nas até os grandes santos; por isso podiam eles, segundo Santo Agostinho, repetir com o Apóstolo São João (1 João I, 8): "Se dizemos que não há pecados em nós, enganamo-nos, e a verdade não está em nós".
O que não podemos é amar as nossas faltas; se caímos, é por mera fraqueza. Caríssimos, devemos tirar proveito destas faltas, que não é dado à nossa natureza evitar. Deus permite, muitas vezes, nas almas avançadas já na perfeição, os defeitos das principiantes, afim de que elas se aperfeiçoem no conhecimento de si mesmas e na confiança n"Ele. Vede. caríssimos, que palavras consoladoras estas de Santo Agostinho: "O Senhor achou mais conforme à sua infinita sabedoria tirar o bem do mal, do que impedir o próprio mal". Portanto, quando tirais das vossas faltas a humildade, correspondeis ao fim tão alto da inefável sabedoria de Nosso Pai do Céu. Tudo que favorece à humildade, é lucro.
Convém que nos apliquemos à perfeição com paz e confiança em Deus. Teremos sempre bastante cedo o que desejamos, quando o tivermos na hora em que aprouver a Deus no-lo conceder. Filhinhos de Deus, coloquemo-nos nos braços de Nosso Pai do Céu e fiquemos tranquilos, desde que façamos também a parte que Ele pede de nós. Amém!
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