CARTA PASTORAL
prevenindo os diocesanos contra os
ardis da seita comunista.
Escrita em 13 de maio de 1961 pelo
então Bispo da Diocese de Campos, D. Antônio de Castro Mayer, de saudosa
memória.
(continuação)
3 - Como se faz o jogo do adversário
Vêm a
propósito algumas observações sobre a maneira como, inconscientemente embora,
se chega a auxiliar em certos casos o movimento comunista.
Omissões e silêncios que favorecem os
comunistas
O comunismo,
como se sabe - e esta é sua característica mais visível - é
contrário à propriedade privada. A anulação desse direito constitui para ele
uma das metas a atingir para chegar ao ideal supremo da sociedade sem classes
(cf. Enc. "Divini Redemptoris", ibid., p. 70); e, como sempre, a
campanha contra a propriedade privada é conduzida por seus asseclas sem a menor
atenção à ordem moral, aos direitos legitimamente adquiridos, uma vez que para
os comunistas - convém tê-lo sempre presente - não
há freio moral (cf. Enc. cit. ibid.). Eles se movem unicamente pela
consideração do que é útil à finalidade da seita.
Ora, é
patente que, na atual ordem de coisas, aquele instituto, não rara vezes, tem
sido utilizado de modo abusivo. Os Papas o reconhecem. É, pois, certo que tais
abusos devem ser eliminados.
Um movimento
destinado a abolir os abusos da propriedade privada, e a levar os proprietários
a fazer uso honesto de seus bens, é em si benemérito. Acontece, não obstante,
que facilmente pode ele favorecer o comunismo. Basta que não afirme de maneira
enérgica e categórica que o instituto da propriedade privada é legítimo, para
que a campanha auxilie a criação de um clima hostil aos proprietários enquanto
tais, apresentados pelos comunistas como parasitas da sociedade. Não é só.
Cumpre que um movimento assim saliente bem o interesse social que há na
existência da classe dos proprietários, da qual se beneficiam todos,
especialmente os menos galardoados pela fortuna. É a advertência de Pio XI.
Assinala o Pontífice que "a própria natureza exige a repartição dos
bens em domínios particulares PRECISAMENTE [grifo nosso] a fim de poderem as
coisas criadas servir ao bem comum de modo ordenado e constante" (Enc.
"Quadragesimo Anno", A. A. S., vol. 23, pp. 191-192). Este princípio,
acrescenta o Papa, deve tê-lo "continuamente diante dos olhos quem não
quer desviar-se da reta senda da verdade". É enfim preciso que a
campanha de que tratamos não fique em reivindicações vagas, mas antes tome todo
o cuidado em não exagerar de tal maneira as restrições ao direito de
propriedade, que atinja também a própria existência dele. Assim, por exemplo,
não se há de exigir por justiça o que pertence as outras virtudes, como sabiamente
ensinava Pio XI (cf. Enc. cit. ibid., p. 192).
Em vários
documentos de Pio XII nota-se a preocupação com os movimentos surgidos para
combater os abusos da propriedade privada, ou do capitalismo (palavra de que
ardilosamente se serve o comunismo para confundir o direito de propriedade com
as injustiças da atual ordem econômica). A preocupação do saudoso Pontífice revela
como houve excessos nessas campanhas. Citemos apenas o trecho da radiomensagem
dirigida ao Congresso Católico de Viena em 14 de setembro de 1952, pelo qual se
vê quanto interessa aos comunistas a falta de uma afirmação nítida do direito
de propriedade. Eis as palavras de Pio XII: "É preciso impedir a pessoa
e a família de se deixarem arrastar para o abismo, onde tende a lançá-las a
socialização de todas as coisas, ao fim da qual a terrível imagem do LEVIATAN
tornar-se-ia uma horrível realidade", na qual soçobrariam "a
dignidade humana e a salvação das almas". Como impedir este desastre? Mediante a
afirmação categórica do direito de propriedade. Continua, realmente o Papa: "É
assim que se explica a especial insistência da doutrina social católica sobre o
direito de propriedade privada. É a razão profunda pela qual os Papas das
Encíclicas sociais e Nós mesmo Nos recusamos a deduzir, seja direta, seja
indiretamente, da natureza do contrato de trabalho, o direito de co-propriedade
do trabalhador ao capital e, portanto, seu direito de co-direção" (Radiomensagem
ao "Katholikentag" de Viena, de 14-9-1952, "Discorsi e
Radiomenssaggi", vol. 14, p. 313).
As expressões
do Papa são para nós sábia advertência. A Igreja apresenta como ponto
inalterável de sua doutrina o direito de propriedade privada, resultante da
natureza e objeto de um dos Mandamentos do Decálogo. Faz portanto ele parte dos
fundamentos da civilização cristã, cuja manutenção, pela observância dos
vínculos jurídicos que a compõem, é um dever grave que obriga a todos os fiéis.
Por isso, a Igreja mantém-se vigilante em face dos atentados que contra esse
direito se sucedem na agitação da sociedade de hoje, trabalhada pelo espírito
socialista. Ouvimos o pranteado Papa Pio XII a falar para o Congresso Católico
de Viena. Firmemo-nos na doutrina pontifícia para não aceitarmos as limitações
propugnadas por um não se sabe que novo cristianismo progressista, as quais
vulneram o direito de possuir nascido da própria natureza. Deixar este último,
com efeito, ao sabor de dispositivos legais imprecisos e indeterminados, de
medidas como a desapropriação pelo chamado interesse social, quando feita sem
causa justa e demonstrada, ou ainda sem indenização correspondente ao valor
real e feita em tempo hábil, é mutilá-lo no que lhe é essencial. Os Papas, que
tanto e tão energicamente salientaram o papel que a propriedade privada tem na
sociedade, jamais a reduziram a mera função social.
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