domingo, 5 de maio de 2019

SANTO TOMÁS DE AQUINO EXPLICA A SANTA MISSA - TREZENTOS ANOS DEPOIS S. PIO V A CODIFICA e CANONIZA ( II )

ARTIGO V: Se as cerimônias usadas na celebração deste mistério são convenientes.
   Parece que as cerimônias usadas na celebração deste sacramento não são convenientes.
   Mas devemos dizer o contrário, porque estas cerimônias fazem parte do costume legitimo (consuetudo) da Igreja, que não pode errar, dado que é inspirada pelo Espírito Santo.
   EXPLICAÇÃO que dá a SOLUÇÃO para todas as dificuldades ou objeções.
   Como dissemos, para ser mais perfeita a significação, tudo o que se faz nos sacramentos é significado duplamente por palavras e por atos. Ora, certos passos da Paixão de Cristo, representados na celebração deste sacramento, são significados por palavras. Ou ainda certas coisas concernentes ao corpo místico, que esse sacramento representa; e outras referentes ao uso do mesmo, que deve ser com devoção e reverência. Por isso, na celebração deste mistério, certas práticas representam a Paixão de Cristo; ou ainda, a disposição do corpo místico; e certas outras dizem respeito à devoção e reverência devidas a este sacramento.
    OBJEÇÕES
    E assim podemos responder às objeções:
    1ª Objeção: Este sacramento pertence ao Novo Testamento, como o mostra a sua própria forma. Ora, na vigência do Novo Testamento não se devem observar as cerimônias do Velho, nas quais o sacerdote e os ministros lavavam-se com água quando iam oferecer o sacrifício. Assim, lemos em Êxodo, XXX, 19: "Aarão e seus filhos lavarão as suas mãos e os pés, quando tiverem de se aproximar do altar...". Logo, não é conveniente o sacerdote lavar as mãos na solenidade da missa.
    RESPOSTA: A ablução das mãos se faz na celebração da missa, pela reverência devida a este sacramento. E isto por duas rações: 1º - Por ser costume geral tocarmos em coisas preciosas com as mãos lavadas. Por onde, faltaria à decência quem se achegasse a tão grande sacramento com as mãos sujas, mesmo no sentido material. - 2º - Pelo significado da ablução. Pois, como diz (S.) Dionísio, o lavarmos as extremidades significa a purificação, ainda dos mínimos pecados, segundo aquilo do Evangelho de S. João, XIII, 10: "Aquele que está lavado não tem necessidade de lavar senão os pés". E esta purificação é necessária a quem se achega a este sacramento. O que também é significado pela confissão que se faz antes do começo da missa. E o mesmo significava a ablução dos sacerdotes na Lei Velha, conforme o ensina (S.) Dionísio no mesmo lugar. - Mas a Igreja não o observa como preceito cerimonial da Lei Velha, senão como instituído por ela, e na prática em si mesma conveniente. Por isso, não é observado do mesmo modo por que o era antigamente. Também se omite a ablução dos pés, conservando-se só a das mãos, por poder fazer mais facilmente e por bastar a significar a perfeita purificação. Pois, sendo as mãos o órgão dos órgãos, na expressão de Aristóteles, todas as obras se lhes atribuem a elas. Donde o dizer o Salmo XXV, 6: "Lavarei as minhas mãos entre os inocentes".

    2ª Objeção: O Senhor mandou que o sacerdote queimasse incenso de suave fragrância sobre o altar que estava diante do propiciatório (Êxodo, XXX, 7). O que também era uma das cerimônias do Antigo Testamento. Logo, não deve o sacerdote oferecer incenso, durante a missa.
    RESPOSTA: Não usamos incenso como se fosse um preceito cerimonial da lei, mas por uma determinação da Igreja. Por isso não oferecemos do mesmo modo pelo qual o estatuía a Lei no Velho Testamento. - E o fazemos por duas razões - Primeiro, para reverenciar este sacramento: para que o bom cheiro do incenso, expulse algum mau odor do local, que pudesse provocar repugnância. Segundo, para representar o efeito da graça da qual, como de bom odor, Cristo tinha a plenitude, segundo aquilo da Escritura Gênesis XXVII, 27: "Eis o cheiro de meu filho como o cheiro de um campo cheio." E o qual deriva de Cristo para os fiéis, por meio dos ministros, segundo aquilo do Apóstolo em 2 Corintios II, 14: "Por nosso meio difunde o odor do conhecimento de si mesmo em todo lugar." Por isso , depois de incensado todo o altar, que designa a Cristo, incensam-se os demais, numa certa ordem.

   3ª Objeção: a) Transferimos para aqui a primeira parte da 2ª objeção do artigo anterior.
   Os atos de Cristo nós os conhecemos pelo Evangelho. Ora, na consagração deste sacramento se alude a ato que não está no Evangelho. Assim, aí não lemos que Cristo, na consagração deste sacramento, elevasse os olhos para o céu. Pois, na celebração deste sacramento se diz: Tendo elevado os olhos ao céu". Logo,  isto não deveria ser feito na celebração deste sacramento.
RESPOSTA: Como diz o Evangelho de São João XXI,  25 , muitas coisas fez  e disse o Senhor pelos Evangelistas não referidas. Entre elas está que o Senhor, na Ceia, elevou os olhos para o céu, o que a Igreja o recebeu pela tradição dos Apóstolos. Pois é racional, que quem, na ressurreição de Lázaro  e na oração que fez pelos discípulos, levantou os olhos para o Pai, como o narra o evangelista, com maior razão o fizesse ao instituir este sacramento, coisa mais importante.

   3ª Objeção: b) As cerimônias realizadas nos sacramentos da Igreja não devem reiterar-se. Logo, não deve o sacerdote repetir tantas vezes os sinais da cruz sobre este sacramento.
   RESPOSTA: O sacerdote, na celebração da Missa, faz o sinal da cruz para exprimir a Paixão de Cristo, que na cruz se consumou. A Paixão de Cristo, porém, realizou-se como por alguns graus.(=por etapas).
Assim, primeiro, teve lugar a entrega de Cristo, feita por Deus, efetuada por Judas e pelos Judeus. E isto significam os três sinais da cruz acompanhados das palavras: Haec dona +, haec munera + haec sancta sacrificia illibata +. Em português: "Estes dons, estes presentes, estes santos sacrifícios sem mancha." Segundo, depois foi Cristo vendido. Ele foi vendido, porém, pelos sacerdotes, escribas e fariseus. Para o significar, o sacerdote faz de novo por três vezes o sinal da cruz, dizendo: "Benedictam, +  adscriptam, +  ratam" + . Em português: "Bendita, aprovada, ratificada". Ou para mostrar o preço da venda, que foram os trinta dinheiros. E acrescenta duplo sinal da cruz às palavras: "ut nobis corpus + et sanguis +... Em português: "Afim de que para nós o corpo e o sangue..." a fim de designar a pessoa de Judas, o vendedor, e de Cristo, o vendido. - Terceiro, a Paixão de Cristo foi prenunciada na ceia. Para designá-lo o sacerdote faz em terceiro lugar, o sinal da cruz por duas vezes - uma ao consagrar o corpo; outra, ao consagrar o sangue, dizendo em ambas as vezes: "benedixit"=abençoou. Quarto: em quarto lugar, consumou-se a Paixão mesma de Cristo. E para representar as cinco chagas de Cristo o sacerdote faz pela quarta vez cinco sinais da cruz, dizendo: "hostiam + puram, hostiam+sanctam,  hostiam+ immaculatam,  panem +sanctum  vitae aeternae,  et calicem+ salutis perpetuae."  Em português: "a Hóstia pura, a Hóstia santa, a Hóstia imaculada. o Pão santo da vida eterna e o Cálice da salvação perpétua". Quinto: em quinto lugar é representada a extensão do corpo na cruz, a efusão do sangue e o fruto da paixão. Daí mais três sinais da cruz acompanhados das palavras: "Filii tui + Corpus, et + Sanguinem sumpserimus, omni + benedictione" ... Em português: "participando deste altar, recebermos o sacrossanto Corpo e o Sangue de vosso Filho, sejamos repletos de toda bênção celeste"... Sexto: em sexto lugar é representada a tríplice oração que Cristo fez na cruz: - uma pelos seus perseguidores, quando disse: "Pai, perdoai-lhes"... a segunda para libertar-se da morte, quando disse: "Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste"? a terceira para alcançar a glória quando exclamou: "Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito". E para significá-lo o sacerdote faz três sinais da cruz, dizendo: "sanctificas,+  vivificas, + benedicis"+... = santificais, vivificais, abençoais... Sétimo: em sétimo lugar, representa as três horas durante as quais ficou suspenso na cruz, isto é, desde a sexta até a nona hora. E para significá-lo, faz de novo o sacerdote por três vezes o sinal de cruz, pronunciando as palavras: "Per + ipsum, et cum + ipso, et in + ipso". = "Por Ele, com Ele e n'Ele". Oitavo: em oitavo lugar, representa-se a separação entre a alma e o corpo, por dois sinais da cruz subsequentes, fora do cálice.  Nono: Enfim, em nono lugar, é representada a ressurreição, operada no terceiro dia, por três cruzes, acompanhadas da palavras: "Paz + Domini sit  + semper +  vobiscum". = "A paz do Senhor esteja sempre convosco."
   - Mas, podemos dizer, mais brevemente, que a consagração deste sacramento e a aceitação deste sacrifício, bem como o seu fruto, procedem da virtude (=força ou eficácia)  da cruz de Cristo. Por isso, sempre que o sacerdote faz menção de alguma dessas três coisas(=consagração deste sacramento, aceitação deste sacrifício e o seu fruto) faz o sinal da cruz.

   4ª Objeção: O Apóstolo  diz em Hebreus, VII, 7: "Sem nenhuma contradição, o que é inferior recebe a bênção do que é superior". Ora, Cristo, que está neste sacramento, depois da consagração, é muito maior que o sacerdote. Logo, inconvenientemente o sacerdote benze, depois da consagração, este sacramento, fazendo sobre Ele o sinal da cruz.
   RESPOSTA: O sacerdote, depois da consagração, não faz o sinal da cruz para benzer e consagrar, mas só para comemorar o sinal da cruz e o modo da Paixão de Cristo, o que ficou claro pelo que foi dito acima ao responder à terceira objeção. (cinco cruzes sobre Nosso Senhor para significar as cinco chagas feitas em Jesus na Sua Paixão).

   5ª Objeção: Nos sacramentos da Igreja não deve haver nada que seja ridículo. Ora, é ridículo fazer gesticulações, como quando o sacerdote estende os braços, põe as mãos, junta os dedos e se inclina. Logo, tais coisas se não deviam fazer neste sacramento.
   RESPOSTA: Nenhum dos gestos do sacerdote, na missa, constitui gesticulação ridícula , pois têm o fim de representar alguma coisa. - Assim, o estender os braços depois da consagração significa o Cristo com os braços estendidos na cruz. - Também levanta as mãos ao orar, para significar que a sua oração se dirige  a Deus, pelo povo, segundo aquilo da Escritura Tren., III, 41: "Levantemos ao Senhor os nossos corações com as mãos para os céus.". E Êxodo, XVII, 11 diz: "Quando Moisés tinha as mãos levantadas vencia Israel". - Quando põe as mãos, inclina-se, orando súplice e humildemente, designa assim a humildade e a obediência com que Cristo sofreu. - Junta os dedos polegar e indicador, com que tocou o corpo consagrado de Cristo a fim de que não se disperse alguma partícula que a eles se tivesse apegado. O que constitui reverência para com o sacramento.

   6ª Objeção: Também é ridículo o sacerdote voltar-se tantas vezes para o povo, tantas vezes saudá-lo. Logo, nada disso devia fazer-se na celebração deste sacramento.
   RESPOSTA: O sacerdote volta-se cinco vezes para o povo, para significar que o Senhor se manifestou cinco vezes no dia da ressurreição, como dissemos quando tratamos da ressurreição de Cristo. - Saúda sete vezes o povo, isto é, cinco vezes quando se volta para ele; e duas, em que não se volta, isto é, quando antes do prefácio diz: "Dominus vobiscum". E quando diz: "Pax Domini sit semper vobiscum" = "A paz do Senhor esteja sempre convosco" para designar a septiforme graça do Espírito Santo. Quanto ao bispo, quando celebra nos dias festivos, diz, na primeira saudação: "Pax vobis", o que depois da ressurreição o Senhor o disse aos discípulos, cujas pessoas sobretudo as representa o bispo.

   7ª Objeção: O Apóstolo em 1ª Cor. I, 13  diz que Cristo não deve ser dividido. Ora, depois da consagração Cristo está neste sacramento. Logo, o sacerdote não devia fraccionar a hóstia.
   RESPOSTA: A fracção da hóstia significa três coisas. Primeiro, a divisão mesma do corpo de Cristo, que se operou na Paixão. - Segundo, a distinção do corpo místico em diversos estados. - Terceiro, a distribuição das graças procedentes da Paixão de Cristo, com diz (S.) Dionísio. Por onde, tal fracção não induz divisão em Cristo.

   8ª Objeção: As cerimônias deste sacramento representam a Paixão de Cristo. Ora, na Paixão, o corpo de Cristo foi dividido nos lugares das cinco chagas.  Logo, o  corpo de Cristo devia ser dividido antes em cinco que em três partes.
   RESPOSTA: Como diz o Papa Sérgio (em De consecr., didt. II): "Triforme é o corpo do Senhor. A parte oferecida, posta no cálice, representa o corpo de Cristo já ressuscitado. Isto  é, o próprio Cristo e a Santa Virgem, que já estão na glória com os seus corpos. A parte que se come significa os que ainda vivem nesta terra. pois os peregrinos neste mundo se unem com Cristo pelo sacramento; e ficam alquebrados pelo sofrimento como o pão comido é triturado. - A parte remanescente no altar até o fim da missa significa o corpo jacente no sepulcro; porque até o fim dos séculos os corpos dos santos estarão nos sepulcros; mas as almas estão no purgatório ou no céu. Este rito porém não se observa atualmente, isto é, o de conservar uma parte até ao fim da missa. Mas permanece a mesma significação das partes. O que certos explimiram em versos, dizendo: A hóstia se divide em partes; molhada (=a que fica dentro do cálice com o precioso sangue) significa os que gozam da plena beatitude; seca, signifca os vivos; conservada, significa os sepultos.
   Certos, porém, dizem, que a parte posta no cálice significa os viventes neste mundo; a conservada fora do cálice significa os plenamente bem-aventurados, isto é, em corpo e alma; a parte comida significa os outros.

   9ª Objeção: O corpo de Cristo é totalmente consagrado neste sacramento, em separado do sangue. Logo, não se devia misturar com o sangue uma parte dele.
   RESPOSTA: O cálice pode ter dupla significação. - Numa é a Paixão mesma, representada neste sacramento. E então, a parte posta no cálice significa os ainda participantes dos sofrimentos de Cristo. - Noutra significação pode simbolizar o gozo dos bem-aventurados, também prefigurado neste sacramento. Por onde, aqueles cujos corpos já gozam da plena beatitude são simbolizados pela parte posta no cálice. - E devemos  notar, que a parte posta no cálice não deve ser dada ao povo como complemento da comunhão, porque o pão molhado Cristo não o deu senão ao traidor Judas.

   10ª Objeção: Assim como o corpo de Cristo é dado neste sacramento  como comida, assim o sangue de Cristo, como bebida. Ora, à recepção do corpo de Cristo, ao celebrar a missa, não se lhe acrescenta nenhum outro alimento para o corpo. Logo, não devia o sacerdote, depois de ter bebido o sangue de Cristo, tomar vinho não consagrado. (Se refere ao vinho das abluções)
   RESPOSTA: O vinho, em razão da sua humidade, serve para lavar. Por isso, é tomado depos da suscepção deste sacramento, para lavar a boca, para que nenhuma partícula nela fique; o que constitui reveverência para com este sacramento. Por isso, uma disposição canônica determina: o sacerdote deve sempre lavar a boca com o vinho, depois de ter recebido completamente o sacramento da Eucaristia; salvo de dever no mesmo dia (Isto porque o jejum eucarístico era de 12 horas e só se celebrava de manhã) celebrar outra missa; a fim de que o vinho tomado para lavar a boca não impedisse celebrar outra vez. E pela mesma razão lava com vinho os dedos, com que tocou o corpo de Cristo.

   11ª Objeção: O verdadeiro deve corresponder ao figurado. Ora, do cordeiro pascal, que foi a figura deste sacramento, a lei ordenava que nada se consevasse para o dia seguinte. Logo, não se deviam conservar hóstias consagradas, mas consumí-las logo.
   RESPOSTA: A verdade deve, de certo modo, corresponder à figura; assim não deveria realmente a parte da hóstia consagrada, da qual o sacerdote e os ministros ou também o povo comungam, ser conservada para o dia seguinte. Mas devendo este sacramento ser recebido todos os dias, o que não se dava com o cordeiro pascal, por isso é necessário conservar outras hóstias consagradas para os enfermos. Por onde na legislação da Igreja dada pelo Papa (S.) Clemente se estabelece: "O prebítero tenha sempre preparada a Eucaristia de modo que quando alguém adoecer, dê-lhe logo a comunhão, não vá morrer sem ela."

   12ª Objeção: O sacerdote fala aos ouvintes no plural; por   exemplo, quando diz: "Dominus vobiscum" (= O Senhor esteja convosco), e, "Gratias agamus" (= Demos graças). Ora, não devemos falar no plural quando nos dirigimos a um só, sobretudo inferior. Logo, não devia o sacerdote celebrar a missa, estando presente só um ministro.
   RESPOSTA: Na celebração solene da missa, vários devem estar presentes. Donde o dizer o Papa Sotero: "Também isto foi estabelicido, que nenhum sacerdote ouse celebrar solenemente a missa sem dois ministros presentes, que lhes respondam, a ele como terceiro; porque quando diz no plural "Dominus vobiscum"; e a oração secreta "Orate pro me", é necessário evidentemente que lhe alguém responda à saudação".  Por isso, para maior solenidade, lemos no mesmo lugar como estatuído ( De Consecr. dist. I , papa Soter) que o bispo celebre, com vários ministros, a solenidade da missa. - Mas, nas missas privadas, basta haver um ministro, representante de todo o povo católico, em nome do qual responde no plural ao sacerdote.

  

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