"Em todo lugar é sacrificada e oferecida ao meu nome uma oblação
pura" (Malaquias I, 11).
23. Enquanto sacrifício, esse mistério augustíssimo derrama
não somente sobre cada homem, mas sobre todo o gênero humano, uma grandíssima
abundância de frutos de salvação; por isso a Igreja costuma oferecê-lo
assiduamente pela salvação do mundo inteiro. Convém que todos os piedosos
cristãos se esforcem por aumentar cada vez mais a estima e o culto desse
sacrifício; e nos nossos dias é isto mais do que nunca necessário. Por isto nós
queremos que as suas virtudes múltiplas sejam conhecidas mais perfeitamente e
mais atentamente meditadas.
24. Os princípios seguintes são manifestamente reconhecidos
pelas luzes naturais da razão: Deus criador e conservador possui sobre os
homens, quer a título privado quer sob o ponto de vista público, um poder
supremo e absoluto; tudo o que somos e tudo o que temos de bom, individualmente
e na sociedade, vem-nos da liberalidade divina: em troca, testemunhar a Deus o
maior respeito como ao nosso senhor, e uma vivíssima gratidão como ao nosso
principal benfeitor. E no entanto, hoje em dia quantos homens se contam que
praticam e observam estes deveres com a piedade que convém? Se jamais houve
época em que se mostrasse o espírito de revolta contra Deus é certamente esta, em que
de novo reboam mais fortes contra Cristo estes gritos ímpios: "Não queremos que este reine sobre
nós" (S. Luc. XIX, 14), e estas palavras criminosas "Arranquemo-lo do meio de nós"
(Jer. XI, 19). E há mesmo uns que se encarniçam com impetuosa violência em
banir definitivamente Deus de toda sociedade civil e conseguintemente de toda
associação humana.
25. Se bem que um tal grau de demência celerada não se
manifeste em toda parte, todavia é triste ver quantos esqueceram a divina
Majestade, dos seus benefícios e sobretudo da salvação que Cristo nos adquiriu.
Mas agora tal perversidade ou tal despreocupação devem ser reparadas por uma
reduplicação de ardor de piedade comum para com o sacrifício eucarístico: nada
pode honrar mais a Deus nem lhe ser mais agradável. Divina, com efeito, é a
vítima que é imolada: por ela, pois, nós tributamos à augusta Trindade toda a
honra exigida pela sua imensa dignidade; oferecemos também a Deus Pai um
holocausto de valor e de doçura infinitos, seu Filho único; donde resulta que
não somente rendemos graças à sua benevolência, mas nos quitamos inteiramente
para com o nosso benfeitor.
26. Desse tão grande Sacrifício podemos e devemos recolher
ainda um duplo fruto dos mais preciosos. A tristeza invade o espírito de quem
reflete nesse dilúvio de torpezas que por toda parte se entornou depois, que,
como dissemos, o poder divino foi deixado de lado e desprezado. O gênero humano parece, em grande parte, chamar sobre si a cólera do céu; de resto, essa messe
de obras culpadas que se levanta está também madura para a justa reprovação de
Deus. Cumpre, pois, excitar os fiéis piedosos e zelosos a se esforçarem por
aplacar a Deus que pune os crimes, e por obterem para um século de calamidades
socorros oportunos. Saibamos que esses resultados devem ser pedidos sobretudo
por esse Sacrifício. Porquanto não podemos satisfazer plenamente as exigências
da divina justiça, nem obter em abundância os benefícios da clemência divina,
senão pela virtude da morte de Cristo. Ele quis que essa virtude da morte de
expiação e de oração ficasse inteira na Eucaristia: esta não é uma vã e simples
comemoração da sua morte, mas é a sua reprodução verdadeira e maravilhosa,
posto que mística e incruenta.
27. Aliás, apraz-nos declará-lo, grande alegria
experimentamos em ver que nestes últimos anos as almas dos fiéis começaram a
renovar-se no amor e devoção ao sacramento da Eucaristia, o que nos faz esperar
tempos e acontecimentos melhores [ndr.: foi o tempo de São Pio X, o Papa da
Eucaristia]. Neste intuito, como fizemos notar no início desta Carta, obras
numerosas e variadas foram estabelecidas por uma piedade inteligente,
especialmente as confrarias, fundadas quer para aumentar o brilho das
cerimônias eucarísticas, quer para adorar perpetuamente, dia e noite, o augusto
Sacramento, quer enfim para reparar os insultos e as injúrias que a ele são
feitos. Todavia, Veneráveis Irmãos, não nos é lícito, nem a vós tão pouco,
descansar sobre o que foi realizado: porque muito mais ainda resta por fazer e
por empreender para que esta dádiva, de todas a mais divina, receba, daqueles
mesmos que praticam os deveres da religião cristã, homenagens mais numerosas e
mais esplendentes, e para que tão grande mistério seja honrado o mais
dignamente possível.
Conclusão: renovar o
antigo fervor.
28. É por isso que cumpre aperfeiçoar com ardor dia a dia
mais vigoroso as obras empreendidas, fazer reviver, onde quer que tenham
desaparecido, as antigas instituições, e entre outras as confrarias
eucarísticas, as rogações ao Santíssimo Sacramento exposto às adorações dos
fiéis, as procissões solenes e triunfais feitas em sua honra, as piedosas
genuflexões diante dos divinos tabernáculos, e todas as outras santas e
salutaríssimas práticas do mesmo gênero; cumpre-nos, além disso, empreender
tudo aquilo que nesta matéria podem sugerir-nos a prudência e a piedade. Mas é
preciso sobretudo nos esforçarmos por fazer reviver em larga medida nas nações
católicas o uso frequente da Eucaristia. É o que ensinam o exemplo da Igreja
nascente, lembrado mais acima, os decretos dos Concílios, a autoridade dos
Padres e dos homens mais santos de todas as épocas. Como o corpo, a alma
precisa a miúdo de alimento: ora, a Sagrada Eucaristia oferece-lhe o alimento
de vida por excelência. E é por isso que mister se faz dissipar os preconceitos
dos adversários, os vãos temores de grande número de pessoas, e afastar absolutamente
as razões especiosas de se abster da comunhão. Porque se trata de uma devoção
que, mais do que qualquer outra, será útil ao povo cristão, já para desviar o
nosso século da sua inquieta solicitude pelos bens perecíveis, já para fazer renascer
e alimentar constantemente em nossas almas o espírito cristão.
29. Sem dúvida alguma, as exortações e os exemplos dados
pelas classes elevadas, mormente o zelo e a atividade do clero, para isso
contribuirão poderosamente. Com efeito, os sacerdotes que o Cristo Redentor encarregou
de cumprir e de dispensar os mistérios do seu Corpo e do seu Sangue, melhor não
podem certamente agradecer-lhe a grandíssima honra que receberam, do que se
esforçando para desenvolver com todo o seu poder a glória eucarística de Jesus
Cristo, e, consoante os desejos do seu Coração santíssimo, convidar e atrair as
almas dos homens às fontes ordinárias de tão augusto sacramento e de tão grande
sacrifício".
(Excerto da Encíclica
"MIRAE CARITATIS" escrita pelo Papa Leão XIII em 28 de maio de 1902).
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