98. ENSINO DAS EPÍSTOLAS.
Erram lamentavelmente os protestantes em muitas passagens das Epístolas por uma razão bem compreensível: muitas e muitas frases dos Apóstolos são escritas de acordo com as necessidades dos seus destinatários, de conformidade com a correção de que precisam no momento Mas os protestantes as querem aplicar indistintamente a todos os casos, a todas as pessoas. E como nem sempre é possível fazê-lo com todas as exortações, escolhem, para isto, as frases que mais lhes agradem, de acordo com a sua ideologia.
São Paulo, por exemplo, diz aos Romanos: Vós não recebestes o espírito de escravidão para estardes outra vez COM TEMOR; mas recebestes o espírito de adoção de filhos, segundo o qual clamamos, dizendo: Pai, Pai (Romanos VIII-15). É precisamente o versículo que antecede àquele em que São Paulo se refere ao testemunho do Espírito e que já comentamos no número anterior.
Já São Pedro, na sua 1ª Epístola, diz o seguinte: E se invocais como Pai Aquele que sem acepção de pessoas julga segundo a obra de cada um, VIVEI EM TEMOR durante o tempo da vossa peregrinação (1ª Pedro I-17).
Eis aí São Paulo aconselhando que não se tenha temor, mas sim uma confiança filial; São Pedro, ao contrário, dizendo que se deve TEMER e durante toda a vida. Há alguma contradição nisto? Não há. Deus é Pai e é Juiz Justíssimo. Deve-se ter confiança na sua misericórdia, que é infinita e temer a sua justiça, que é inexorável. São Paulo fala aos Romanos que estão invadidos pelo temor, dominados pelo pessimismo e é preciso lembrar-lhes que Deus é Pai e havemos de estar tranquilos e ter confiança n'Ele. Os que vivem na graça de Deus, se sofrem, isto não é sinal de que estejam incorrendo no desagrado divino. Já aos Filipenses, a quem São Paulo é obrigado a advertir: Nada façais por porfia NEM POR VANGLÓRIA, mas com HUMILDADE (Filipenses II-3), o mesmo Apóstolo das Gentes exorta a trabalhar na obra da salvação COM RECEIO E COM TREMOR (Filipenses II-12). São Pedro, por sua vez, fala a cristãos que estão muito confiados em que Deus é Pai e estão se esquecendo de que este mesmo Pai é também Juiz Justíssimo que julga segundo as obras de cada um, sem fazer acepção de pessoas, e por isto estão arriscados a caírem no pecado e no relaxamento e, consequentemente, na condenação eterna. Todos indistintamente, cristãos e pagãos, católicos e protestantes, judeus e gentios, santos e pecadores têm que passar pelo seu tribunal de uma justiça perfeita e aí prestarão contas de tudo o que fizeram, ou de bom ou de mau (2ª Coríntios V-10). É certo que se levará em conta naturalmente o perdão que receberam aqueles que FIZERAM o que era necessário para obter este perdão.
Por isso havemos de ter em toda a nossa vida A CONFIANÇA em Deus, que é nosso Pai, que nos quer salvar, que vela sobre todos os nossos passos, que está sempre pronto a nos ajudar com a sua graça. E havemos de ter em toda a nossa vida (ou, como diz São Pedro, durante o tempo da nossa peregrinação) O TEMOR por causa da nossa miséria, da nossa inconstância e fragilidade, uma vez que é necessário que correspondamos à graça e não podemos garantir que sempre seremos fiéis a ela. Ostentar certeza absoluta disto seria desconhecer a nós mesmos e nutrir uma presunção que nos privaria desta mesma graça. É por isto que São Filipe de Néri, um santo muito engraçado, apesar da sua resolução inabalável de servir a Deus e jamais ofendê-Lo, dizia sempre nas suas orações a Jesus Sacramentado: "Jesus, cuidado com Filipe! Ele pode atraiçoar-Vos". E no mesmo sentido dizia o virtuoso sacerdote cearense Mons. Antônio Tabosa: " Eu não tenho tanto medo do demônio, nem dos homens; eu tenho medo é do Tabosa".
Confiar plenamente em Deus; desconfiar de nós mesmos, é o equilíbrio da ascese católica, que é a única ascese legítima, pois constrói o edifício da nossa esperança sobre os alicerces da virtude da humildade.
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