sábado, 25 de agosto de 2018

A PROVIDÊNCIA DIVINA



"A tua providência, ó Pai, é que o governa" (Sab. XIV, 3). Temos a tentação de achar que a Providência de Deus só governa o mundo nos grandes acontecimentos; mas devemos reconhecê-la e adorá-la até nas menores circunstâncias da nossa vida. Na verdade, tudo está sujeito ao domínio da Providência, até o passarinho que morre: "Porventura não se vendem dois passarinhos por um asse? E todavia nem um só deles cairá sobre a terra sem a permissão de vosso Pai" (S. Mat. X, 29). E Nosso Senhor Jesus Cristo, no versículo seguinte, diz ainda: "Até os próprios cabelos de vossa cabeça estão todos contados". Por isso, caríssimos, devemos nos elevar sempre até à primeira causa, que é o mesmo Deus. A primeira homenagem que devemos prestar à Providência, é a de fé, e depois a de submissão. O Espírito Santo na Sagrada Escritura apresenta-nos o exemplo belíssimo do santo varão Jó: "O Senhor o deu, o Senhor o tirou, como foi do agrado do Senhor, assim sucedeu: bendito seja o nome do Senhor" (Jó, I, 21). Verdadeiramente, Deus, Nosso Senhor tudo regula; tudo o que acontece é efeito da vontade divina, que ordena ou que permite.

Deus é o Senhor e, portanto, quando manifesta sua vontade, compete aos homens submeter-se a ela. É Senhor de direito, porque pode, sem que tenhamos motivo para queixar-nos, mandar o que quer; Senhor de fato, porque realiza realmente tudo o que quer. Por justiça, Deus tem direito de regular tudo segundo a sua vontade e não segundo a nossa. Não temos poder nem direito de resistir à Deus. Que força pode prevalecer contra o Onipotente!? Devemos fazer da necessidade virtude. Nas provações devemos estar sempre resignados a santíssima vontade de Deus. Mas, caríssimos, devemos pensar que Deus é um pai, e, portanto, devemos confiar em sua bondade.

E ninguém é excluído dos cuidados paternais de Deus Nosso Senhor. É óbvio, porém, que tem atenções especiais com aqueles que se entregam a Ele. A sua Providência vigia sobre nós; conhece as nossas necessidades, e pensa em socorrer-nos primeiro que nós pensemos em pedir. É o que constatamos na multiplicação dos pães: Jesus viu aquela grande multidão e teve compaixão de todas aquelas pessoas (Cf. S. Marc. VI, 34 e 42). E o seu poder é igual à sua bondade: os poucos pães e peixes se multiplicam nas suas mãos e todos são saciados.

E, caríssimos, consideremos que, se tal é a sua solicitude pelos corpos, que não fará pelas almas? Daí devo dirigir-me sempre pela fé, pois ela ensina-me que nada detém Deus na execução dos seus desígnios. Ensina-me, outrossim, a fé que a sabedoria de Deus é infinita e dispõe todas as coisas com admirável fortaleza e suavidade: "(A sabedoria de Deus) atinge, pois, fortemente desde uma extremidade à outra; e governa tudo convenientemente" (Sab. VIII, 1). Ela sabe tirar o bem do mal, e converter os obstáculos em meios. José do Egito nunca esteve tão perto do trono como quando o prenderam!

Deus considera os meus sofrimentos e as minhas necessidades com os olhos de um pai: "Vosso Pai sabe o que vos é necessário, antes que vós o peçais" (S. Mat. VI, 8). E o próprio Deus na Santa Escritura nos afirma que não há mãe que tenha para seu filho os carinhos que Ele tem para conosco: "Porventura pode uma mulher esquecer-se do seu menino de peito, de sorte que não tenha compaixão do filho de suas entranhas? Porém, ainda que ela se esquecesse dele, eu não me esquecerei de ti" (Isaías, XLIX, 15).

Compenetremo-nos, caríssimos e amados irmãos, destas verdades tão consoladoras. Amém!

sexta-feira, 24 de agosto de 2018

A CASTIDADE SACERDOTAL



"Quid est quod dilectus meus in domo mea fecit scelera multa?" (Jeremias XI, 15).
"Como é que aquele que eu amo cometeu tantas maldades na minha casa?"

"Conta-se na Mitologia grega, diz o Pe. Félix Alejandro Cepeda, que em Tebas havia um monstro chamado Esfinge, o qual tinha rosto de mulher, asas de pássaro e garras de leão; sua ocupação era propor aos transeuntes enigmas ou advinhas  que lhe haviam ensinado as musas. Àquele que não sabia adivinhá-las, dava-lhe a morte. Um dia em que passava Edipo, perguntou-lhe a Esfinge: Qual é o ser ao mesmo tempo, o mais grande e o mais pequeno?  E Edipo, aquele infeliz Edipo, que estava destinado a matar  seu pai e a casar-se com sua mãe, respondeu: O HOMEM. Pois bem, continua o Pe. Félix, se a mim fosse feita a mesma pergunta, responderia sem vacilar: O SACERDOTE. O sacerdote, com efeito, é grande por sua excelsa dignidade, porém se envilece até ao máximo se cai no pecado mortal". E, caríssimos, acrescento que, em se tratando de pecados impuros, seu aviltamento é  um dos mais hediondos.

Em Roma, nos tempos do paganismo, havia as Sacerdotisas de Vesta, chamadas Vestais. Eram incumbidas de manter sempre aceso o fogo sagrado no templo da deusa. Eram elas em número de seis; ingressavam no templo com cerca de 10 anos de idade, e ali ficavam durante 30 anos, período durante o qual deviam conservar intacta a sua virgindade. Eram tidas pelos romanos em alta estima, tanto assim que nas solenidades elas tinham sempre os lugares de honra, e vestiam um especial hábito branco ornado de púrpura. Se um magistrado as topava na rua, cedia-lhes a direita. Se uma das Vestais faltasse ao seu dever e violasse a castidade, era condenada a ser enterrada viva num lugar chamado CAMPO CELERADO. Até os pagãos tinham tal veneração pelas pessoas de vida casta que para trabalhar no templo da deusa, elas tinham que conservar a virgindade.

Quão gravíssimo e hediondo é o pecado que cometem na Casa do verdadeiro Deus, muitos clérigos que se consagraram a Deus fazendo o voto de castidade perfeita e pecam justamente quebrando este voto. Dizia um piedoso escritor: "O que guarda com fidelidade a castidade, despe-se da humanidade para se revestir da natureza angélica; assim como o que a imola é um anjo decaído, um demônio". Podemos afirmar que a mais bela joia da coroa sacerdotal é a castidade. Caríssimos, na verdade, o sacerdote sendo já super eminente pela sublimidade de suas funções inteiramente divinas, se continuamente se aplica a espiritualizar sua carne e seus sentidos pela castidade, se, transportado por esta virtude até ao Coração de Jesus, n'Ele estabelece sua morada habitual, não saindo daí senão como os anjos e com a pureza dos anjos para exercer entre os homens seu divino ministério, quem poderá descrever a magnificência de sua glória?

Se esquece, porém, sua grandeza, se esquece sua união inefável com a Carne e Sangue de Jesus Cristo, com que nutre todos os dias sua alma no santo altar, se esquece a rigorosa lei da castidade que o obriga já como cristão, se enfim deixa o coração de Deus e os resplendores celestes para sepultar seu sacerdócio na torpeza e devassidão, que monstro ele se torna!!! Já não é anjo, nem sequer homem; passou a demônio. O sacerdote impudico quebra os laços que o prendiam a Deus, não tendo já luz para se conduzir nem fervor para se consolar, nem coragem para se levantar, nem zelo para salvar seus irmãos, visto que ele mesmo se perde, cai loucamente de abismo em abismo.  E suas desordens, secretas ao princípio, acabam pelo não ser e então é que se vê na Igreja um desses escândalos, que arrancam às almas piedosas, gemidos e lágrimas; escândalo que faz a alegria dos ímpios, que cobre de opróbrio o que o causa, e faz que o divino Salvador diga o mesmo que dizia de seu pérfido apóstolo: "Ai daquele homem... melhor fora que não tivesse nascido!"

Assim, devemos considerar a virtude da castidade como sendo tão indispensavelmente necessária a um padre para edificação do próximo, para o pleno sucesso de seu ministério e para sua própria santificação, que não só não deve fazer absolutamente nada contra esta virtude, mas até abster-se de tudo o que possa despertar um vislumbre de suspeita contra a pureza de seus costumes. E os padres devem estar sempre lembrados que os demônios fazem esforços incríveis para precipitá-los da sua suprema elevação no abismo do lodaçal do vício impuro.

Deus quer anjos para o governo de sua Igreja, que é o seu reino terrestre, como os tem para o seu reino do Céu; por conseguinte é indispensável aos sacerdotes a virtude angélica: Jesus disse que no céu os eleitos são como anjos: "Na ressurreição, nem os homens terão mulheres, nem as mulheres maridos, mas serão como os anjos de Deus no Céu" (S. Mateus XXII, 30). Bossuet, comparando a divina fecundidade do Sacerdote, que dá a Deus filhos espirituais, com a de Maria, afirma que uma e outra requerem uma pureza de todo angélica. A reza do Breviário, o sacrifício de louvores, a oração pública, exige dos sacerdotes quase tanta pureza como a de Jesus Cristo. E que dizer dá pureza ilibada com que deve o sacerdote subir ao Altar para oferecer a Vítima divina!? As coisas santas devem ser exercidas por pessoas santas: "Sancta sanctis". E pode haver algo mais santo sobre a face da terra do que  o Sacrifício do Altar, pelo qual temos Jesus que renova  o Sacrifício do Calvário?!

Três coisas protegem os sacerdotes contra as quedas no vício impuro: a humildade, a vigilância e a generosidade.

A virtude da humildade é a primeira defesa da castidade sacerdotal. Que perto está o homem de cair no abismo, quando confia em si! Nem a gravidade do caráter nem os progressos feitos na perfeição, nem a idade avançada podem dar uma completa segurança. A confiança em si degenera facilmente em presunção. Deus dá a graça aos humildes, e resiste aos soberbos. "Queres ser casto, pergunta Santo Ambrósio, sê humilde; queres ser castíssimo? sê humilíssimo".

A vigilância é uma consequência da humilde desconfiança de nós mesmos, e do conhecimento dos perigos a que os sacerdotes estão expostos. A fraqueza natural é tão grande, o demônio tão astuto, o contágio tão universal, as ocasiões tão numerosas e, hoje, mais do que nunca, que, se não emprega a máxima precaução, o sacerdote terá brevemente um coração de réprobo, será um verdadeiro demônio encarnado. Nas relações mais indispensáveis com o mundo, até nas santas funções do ministério sagrado, por toda a parte estão armados laços à pureza dos sacerdotes. Os sacerdotes trazem o precioso tesouro da castidade perfeita num vaso por demais frágil. Daí a vigilância deve ser aquela lâmpada acesa com que o homem prudente alumia todos os seus passos. Deve vigiar sobre a imaginação, o coração, sobre todos os sentidos exteriores. Na verdade, o sacerdote deve vigiar até sobre o zelo, mas, de uma maneira especial, sobre as relações com as pessoas cuja idade e sexo poria em perigo a sua virtude ou a sua reputação.

Finalmente, é mister que o sacerdote tenha generosidade, porque há laços que ele, sendo prudente, não procura desatar, mas quebra-os e com prontidão. E nenhuma virtude exige tanto a generosidade como a castidade virginal. O sacerdote deve fazer de seu corpo, que é templo de Deus, uma hóstia viva, santa, agradável ao Senhor, para que lha possa oferecer unida ao sacrifício do Altar. É o que manda S. Paulo a todo mundo, e, a fortiori deve-se dizer o mesmo dos sacerdotes: "Rogo-vos, pois, irmãos pela misericórdia de Deus, que ofereçais os vossos corpos como uma hóstia viva, santa, agradável a Deus" (Rom. XII, 1). Como não praticar a mortificação de Jesus Cristo, aqueles que se alimentam todos os dias de Jesus crucificado? O sacerdote deve, além de fugir dos perigos, ter a generosidade de estar sempre ocupado. Deve ter um amor apaixonado pelo estudo das Sagradas Escrituras e dos Santos Padres, isto é,  da Exegese e da Teologia Dogmática e Moral.

Sempre, mas hoje mais do que nunca, um sacerdote sem vida interior, sem meditação e retiro está fadado a ruína que, infelizmente, pode ser eterna! Caríssimos colegas no sacerdócio, sejamos padres santos, e para conseguir o fim almejado, pratiquemos antes de tudo a bela virtude da castidade perfeita, da qual fizemos voto a Deus, no dia mais feliz e solene de nossa vida!. Amém!

ABORTO

ABORTO – VOZ DA CIÊNCIA
                                                         
                                                                                                                                         
  Dom Fernando Arêas Rifan*
             Considerando-se o feto como um amontoado de células ou algo pertencente ao corpo da mãe, o aborto seria defensável. Mas, cientificamente falando, não é. Trata-se, segundo a ciência moderna, de um ser humano, apesar de ainda em formação, - como, aliás, também o é um bebê recém-nascido - com código genético, conjunto de cromossomos e personalidade independente da sua mãe. E a sua morte provocada vem a se constituir em um voluntário e direto ato de se tirar a vida de um ser humano inocente, ato ilícito perante a lei natural e a lei positiva de Deus. 
            E já foi estatisticamente refutado o argumento de que, nos países em que o aborto foi legalizado, o seu número diminuiu. E mesmo que o fosse, continua o princípio de que não se pode legalizar um crime, mas sim estabelecer a proteção da criança que está no ventre de sua mãe. Cada bebê é um dom precioso com personalidade própria e não um número de estatística. 
            E ao argumento falso de que a mulher é dona do seu próprio corpo devemos responder com a ciência que o nascituro não faz parte do corpo da sua mãe, não é um apêndice ou um órgão seu, mas é um ser independente em formação nela. 
           A questão de uma nova vida começar com a concepção é um dado científico atual e não objeto da fé. Portanto, ser contra o aborto é posição normal de quem aceita os dados da ciência. 
           “O ciclo vital, do ponto de vista estritamente biológico, é que, cada ser humano é um organismo distinto e singular... A fertilização dá início ao ciclo vital levando a um período de desenvolvimento, chamado de embriogênese, no qual as células, os tecidos e os órgãos se desenvolvem progressivamente a partir de uma única célula, o zigoto... Segundo as evidências fornecidas pela biologia, o zigoto humano, que dá início ao embrião multicelular que dele deriva, é verdadeiramente um indivíduo, e não parte de um todo ou um agregado de elementos... Isto tudo leva a concluir que o embrião humano, mesmo no seu primeiro passo, não é um amontoado de células, mas um indivíduo real... A partir da constituição do Zigoto, exige-se o respeito, que é moralmente devido aos seres humanos em sua totalidade corporal e espiritual” (exposição do Prof. Dr. Carlos Mateus Rotta, Doutor e Mestre em Medicina, Professor responsável pela disciplina de Clínica Cirúrgica e gestor acadêmico do Curso de Medicina da Universidade de Mogi das Cruzes).
            Dr. Jerôme Lejeune, cientista, professor da Universidade René Descartes, de Paris, e especialista em Genética Fundamental, descobridor da causa da síndrome de Down, em entrevista à VEJA, que lhe perguntou se, para ele, a vida começa a existir no momento da concepção, respondeu: “Não quero repetir o óbvio. Mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos transportados pelo espermatozoide se encontram com os 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano já estão presentes. A fecundação é a marco do início da vida. Daí para frente, qualquer método artificial para destruí-la é um assassinato”.


*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/ 

segunda-feira, 13 de agosto de 2018

INGRATIDÃO PARA COM DEUS



Pela gratidão deveria todo homem pensar sempre nos benefícios recebidos de Deus, deveria agradecer ao benfeitor e fazer bom uso dos seus dons. Pois bem, o homem ingrato, em lugar de recordar as graças que recebeu de Deus, esquece-as; em lugar de as agradecer a Nosso Senhor, desconhece que as recebeu d'Ele, e, às vezes até as atribui a si; em lugar de as empregar em servi-Lo, abusa delas para O ofender.

Caríssimos, o Espírito Santo lança em rosto ao antigo povo judaico, este indigno esquecimento: "Abandonaste o Deus que te gerou e esqueceste-te do Senhor, teu criador" (Deut. XXXII, 18); " Nossos pais no Egito não consideraram as tuas maravilhas; não se lembraram da multidão das tuas misericórdias"... "Esqueceram-se de Deus, que os tinha salvado, que tinha feito grandes prodígios no Egito, maravilhas na terra de Cam, coisas terríveis no mar Vermelho" (Salmo 105, 7, 21 e 22); "E esqueceram-se de seus benefícios e das maravilhas que fez à vista deles" (Salmo 77, 11).  O ingrato pode ser comparado aos brutos animais que, debaixo de uma árvore frutífera, comem as frutas que caem  e não olham para cima.

O ingrato não só esquece os benefícios recebidos de Deus mas vai mais além: atribui a si o que recebeu do céu: "Farei desaparecer a sua memória dentre os homens. Mas diferi por causa da arrogância dos inimigos; para que os seus inimigos não se ensoberbecessem e dissessem: Foi a nossa mão poderosa, e não o Senhor que fez todas estas coisas"  (Deut. XXXII, 27). Caríssimos, a ingratidão é fruto do orgulho. É levado por este pecado capital, que o homem pretende, ao menos, participar com Deus da glória do bom êxito; quereria, na verdade, dever tudo a si mesmo; mas não podendo, esforça-se por diminuir a sua obrigação de agradecer os benefícios recebidos de Deus.

Mas a ingratidão leva ao auge sua maldade quando, em lugar de agradecer os benefícios, abusa deles para ofender o Sumo Benfeitor.  E Deus se queixa ao seu povo:  "Tu, Jacó, não me invocaste, nem tu, Israel, fizeste caso de mim. Não me ofereceste carneiros em holocausto, nem me glorificaste com as tuas vítimas, não te fiz render serviços com oblações, nem te dei trabalho de queimar incenso... Antes me tornaste como que um escravo com os teus pecados, e me causaste pena com as tuas iniquidades" (Isaías XLIII, 22-24).  

Caríssimos, por estas palavras divinamente inspiradas do Espírito Santo, podemos avaliar quão pecaminosa é a ingratidão para com Deus. Outras passagens ainda das Sagradas Escrituras mostram toda a enormidade deste crime da ingratidão. O homem ingrato priva a Deus do único tributo que pode e quer receber da sua criatura racional: "Ouve, meu povo, e eu falarei; ouve, Israel, e eu te darei testemunho. Deus, o teu Deus sou eu" (Salmo XLIX, 7). Esta passagem quer dizer o seguinte: Ouve, povo meu; tu não podes desconhecer que sou o teu Deus, e que, tendo recebido de mim todos os bens que possuis, é justo que me mostres a tua gratidão com alguma oferenda. Mas, que me oferecerás tu? Qualquer coisa que queiras oferecer-me, pertence a mim. E Deus mostra, então, o que pode oferecer: "Oferece a Deus sacrifício de louvor; e paga ao Altíssimo os teus votos" (Salmo XLIX, 14). É justamente isto o que o homem ingrato não faz!

Todas as criaturas ainda mesmo insensíveis proclamam a glória de Deus, e nos convidam a louvá-Lo. O ingrato não o faz, e assim, priva a Deus do fruto de Seus trabalhos. O ingrato comete ainda um grande atentado: toma o lugar de Deus, que é o Primeiro Princípio, pois, atribui a si as qualidades que possui, ou julga possuir, como se proviessem de si mesmo.

"Não foram dez os que curei? Só um voltou para
agradecer..."
Por tudo que acabamos de ver, baseados nas Sagradas Escrituras, podemos avaliar quão funestos poderão ser os efeitos da ingratidão para com Deus. Diz S. Bernardo: "Ingratitudo inimica est animae exinanitio meritorum, virtutum dispersio, beneficiorum perditio..., ventus urens, siccans fontem pietatis, rorem misericordiae, fluenta gratiae (Sermão LI in Cant.). Traduzido: "A ingratidão é inimiga da alma, a destruição dos seus merecimentos, a ruína das suas virtudes e a perda dos benefícios que ela tinha recebido..., é um vento abrasador que seca a fonte dos dons celestiais, da piedade, o orvalho da misericórdia, as fontes da graça". E no mesmo sermão o santo doutor diz que a ingratidão é a corrupção do coração, que priva das primeiras graças e obsta às segundas, porque, o ingrato merece perder o bem que possui, e não merece obter o que lhe falta. E eis o que diz a Sagrada Escritura: "Isto diz o Senhor Deus: Visto que te esqueceste de mim, e me lançaste para trás das costas, carrega tu também com a tua maldade..." (Ezequiel, XXIII, 35).  Em Oséias I, 6 , Deus mostra qual o castigo reservado ao povo ingrato de Israel: "...Eu não me tornarei mais a compadecer da casa de Israel, antes os esquecerei inteiramente". Terrível castigo!!!

Jesus curou dez leprosos, e só um voltou para agradecer. O manso Cordeiro reclama: "Não foram dez os que curei? Onde estão os outros nove? Só um voltou para agradecer!

"Ó Senhor, exclama Santo Agostinho, médico das almas, sarai-me para que Vos confesse, ó Saúde da minha alma e Vos agradeça com todo o meu coração, os benefícios com que me sustentastes desde a minha juventude e me sustentareis até ao declinar da velhice". Amém!

segunda-feira, 6 de agosto de 2018

A CARIDADE PARA COM O PRÓXIMO



"Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o coração, e a teu próximo como a ti mesmo" (S. Luc. X, 27 e 28). Jesus disse que estes dois mandamentos contêm toda a Lei e os profetas (Cf. S. Mat. XXII, 40). Portanto, todos os nossos deveres se resumem no amor de Deus e do próximo. Cumprindo-os, portanto, conseguiremos a vida eterna. Na verdade, a vontade, guiada pelo amor, não quererá senão o bem. O amor de Deus é o princípio do amor ao próximo. Quando uma alma possui a verdadeira caridade, é sinal de que está em paz com Deus: "Sabemos que passamos da morte para a vida, porque amamos os nossos irmãos" (1 S.João III, 14). Dizia S. Paulo aos Coríntios: "Não passais, na vida espiritual, de criancinhas, que só podem alimentar com leite; sois ainda muito carnais, já que existem entre vós inveja e discórdias" (1 Cor. III, 1-3).

Há duas espécies de amor do próximo: o natural e o sobrenatural. É natural, por exemplo, ao homem amar sua família, seus amigos, seus semelhantes. Disse um autor pagão: "Sou homem e nada do que é humano me pode ser indiferente". Assim, instintivamente nos compadecemos dos que sofrem e procuramos oferecer-lhes nossos préstimos. Naturalmente temos prazer em fazer alguém feliz. Dizia o pagão Virgílio, grande escritor latino: "Haut ignara mali miseris succurrere disco"; em Português: "Conhecendo a desgraça, sei prestar auxílio aos desgraçados". Este sentimento, embora, puramente natural, é obra de Deus e por conseguinte não podemos desprezá-lo.  A inclinação de fazer bem ao próximo foi colocada na alma humana por Deus. E nos planos divinos, esse amor natural deve servir de começo para o amor sobrenatural, porque a graça sobrenatural não destrói a natureza feita por Deus, mas, pelo contrário, a supõe. A lei de Moisés já rezava: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo" (Levítico XIX, 18).

Mas, caríssimos, nossa natureza foi vulnerada pelo pecado original. Daí necessitamos daquela recomendação feita por Tobias a seu filho: "Não faças a outrem aquilo que não queiras que te façam" (Tobias XVI). Como já dissemos, se o homem traz em si uma inclinação para querer bem ao próximo, por outro lado, é levado, quase que sem perceber, a colocar-se acima do próximo, a achar-se que merece atenções que ele mesmo não emprega em relação aos seus semelhantes. Daí, de um lado, é-lhe agradável fazer o bem, de outro, custa-lhe ser contrariado. E como os interesses dos homens, às vezes, são opostos, isto é, o que constitui a felicidade de um, causa tristeza a outro, as vontades de um e outro se opõem.

De tudo isto devemos concluir, que, para haver caridade é mister renúncia de si mesmo. Não podemos ceder ao amor próprio um tanto excessivo, porque ele leva o homem a ter invejas e aversões. Daí, os corações apaixonados por si mesmos, são mesquinhos e amam poucas pessoas, e mesmo assim, levados pelo mesmo amor de si mesmos. Na verdade, gostam daqueles que têm os mesmos defeitos, daqueles que lhe são simpáticos ou que os lisonjeiam. Por outro lado, criticam  os que não concordam com eles.

Devemos dizer que assim como existe um amor de Deus perfeito e outro imperfeito, assim também existe um amor do próximo que podemos chamar de perfeito, e existe o amor do próximo que é imperfeito.  

O egoísmo é a fonte do amor imperfeito ao próximo. É ele que causa a maior parte das faltas contra a caridade. A Lei mosaica contentou-se com "amar o próximo como a nós mesmos", mas o Coração de Jesus fez e quis que fizéssemos muito mais: "Eu vos dou um novo mandamento, é que vos ameis uns aos outros como Eu vos amei" Jesus quer que nos amemos, porque somos filhos de Deus. S. Paulo dizia aos Filipenses: "Trago-vos todos em meu coração, eu vos amo com o coração de Cristo" (Filip. I, 8).

O perfeito amor do próximo vem de uma fé viva, perfeita. O Divino Espírito Santo se compraz em dar esta virtude da caridade perfeita também àqueles que são generosos e se esforçam em imitar a Jesus. E também cada sacrifício feito em favor do próximo aumenta-lhes a caridade. Assim, caríssimos, devemos esforçar-nos para obter esta caridade perfeita e já a tendo adquirido, tomarmos todo cuidado em evitar tudo que possa diminuí-la. Devemos, portanto, ter em nós os mesmos sentimentos do Coração de Jesus.

"O meu mandamento, disse Jesus, é que vos ameis uns aos outros como eu vos amei" e acrescenta: "Sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos ordeno". Que felicidade ser amigo do próximo e ser assim amigo de Jesus! Amém!

quinta-feira, 26 de julho de 2018

O ABORTO


DE NOVO, O ABORTO!   

                                                                                                                                                             Dom Fernando Arêas Rifan*

             Com a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) apresentou ao Supremo Tribunal Federal novo pedido de mudança no Código Penal, pela qual querem garantir às mulheres o direito de interromper a gestação, e dos profissionais de saúde de realizar o procedimento, ou seja, fazer aborto, nas 12 primeiras semanas de gravidez. Será que não estão pretendendo com isso obter a legalização do aborto, o que não conseguiram no Congresso Nacional, o único com poder de legislar? E dado que a Constituição (artigos 1º e 2º) estabelece que o Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, fundamentado na harmonia e independência dos Poderes, discute-se se essa Arguição e possível sanção do STF, cuja competência é a guarda da Constituição, não seria a invasão, por parte da Suprema Corte, da competência dos outros Poderes, em especial o Legislativo. Só uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita pelo povo, tem o poder legal de modificar a Constituição nos seus preceitos fundamentais. 
           A Constituição Federal, promulgada “sob a proteção de Deus”já estabelece a inviolabilidade do direito à vida, no artigo 5º, no Título II que trata“Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, cláusula pétrea, portanto. E como a nossa Carta Magna estabelece a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, o nascituro tem direito à tutela jurídica na sua vida. E quando a lei é clara, como é nesse caso, não há lugar para interpretações.
            O direito inviolável à vida é o principal direito em qualquer ordenamento jurídico. Nada há a se garantir anteriormente a este, pela própria impossibilidade de qualquer consequência de usufruição de qualquer outro direito. Portanto, o direito inalienável à vida é o primaz o qual gera diversas outras garantias. Uma garantia fundamental, como o direito à vida, não pode jamais ficar desprotegida e ser discutida.
            Alegam os defensores do aborto a difícil condição de muitas mães. A Igreja o compreende perfeitamente: “É verdade que, muitas vezes, a opção de abortar reveste para a mãe um caráter dramático e doloroso: a decisão de se desfazer do fruto concebido não é tomada por razões puramente egoístas ou de comodidade, mas porque se quereriam salvaguardar alguns bens importantes como a própria saúde ou um nível de vida digno para os outros membros da família. Às vezes, temem-se para o nascituro condições de existência tais que levam a pensar que seria melhor para ele não nascer. Mas essas e outras razões semelhantes, por mais graves e dramáticas que sejam, nunca podem justificar a supressão deliberada de um ser humano inocente” (n. 58). E, usando da prerrogativa da infalibilidade, o Papa define: “declaro que o aborto direto, isto é, querido como fim ou como meio, constitui sempre uma desordem moral grave, enquanto morte deliberada de um ser humano inocente. Tal doutrina está fundada sobre a lei natural e sobre a Palavra de Deus escrita, é transmitida pela tradição da Igreja e ensinada pelo Magistério ordinário e universal” (S. João Paulo II, Enc. Evangelium Vitae, nn. 58 e 62).  

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

sexta-feira, 29 de junho de 2018

PEDRO, A PEDRA

PEDRO, A PEDRA  

                                                                                                                                                                 Dom Fernando Arêas Rifan*

            Depois de amanhã, e também no domingo próximo, celebraremos a solenidade de São Pedro, apóstolo escolhido por Jesus para ser seu vigário aqui na terra (“vigário”, o que faz as vezes de outro), seu representante e chefe da sua Igreja. São Pedro era pescador do lago de Genesaré ou Mar da Galiléia, junto com seu irmão, André, e seus amigos João e Tiago. Foi ali que Jesus o chamou: “Segui-me, e eu farei de vós pescadores de homens”. Eles, imediatamente, deixaram as redes e o seguiram” (Mt 4, 19-20).
            Pedro se chamava Simão. Jesus lhe mudou o nome, significando sua missão, como é habitual nas Escrituras: “Tu és Simão, filho de João. Tu te chamarás Cefas! (que quer dizer Pedro - pedra)” (Jo 1, 42). Quando Simão fez a profissão de Fé na divindade de Jesus, este lhe disse: “Não foi carne e sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso, eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as forças do inferno não poderão vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus (a Igreja): tudo o que ligares na terra será ligado nos céus e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 13-19).
            Corajoso e com imenso amor pelo Senhor, sentiu também sua fraqueza humana, na ocasião da prisão de Jesus, na casa de Caifás, ao negar três vezes que o conhecia. “Simão, Simão! Satanás pediu permissão para peneirar-vos, como se faz com o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22, 31-32).  E Pedro, depois de ter chorado seu pecado, foi feito por Jesus o Pastor da sua Igreja. 
           São Pedro, fraco por ele mesmo, mas forte pela força que lhe deu Jesus, representa bem a Igreja de Cristo. Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica, edificada por Jesus Cristo sobre a pedra que é Pedro... Cremos que a Igreja, fundada por Cristo e pela qual Ele orou, é indefectivelmente una, na fé, no culto e no vínculo da comunhão hierárquica. Ela é santa, apesar de incluir pecadores no seu seio; pois em si mesma não goza de outra vida senão a vida da graça. Se realmente seus membros se alimentam dessa vida, se santificam; se dela se afastam, contraem pecados e impurezas espirituais, que impedem o brilho e a difusão de sua santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por esses pecados, tendo o poder de livrar deles a seus filhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo” (Credo do Povo de Deus).
             “Enquanto Cristo ‘santo, inocente, imaculado’, não conheceu o pecado, e veio expiar unicamente os pecados do povo, a Igreja, que reúne em seu seio os pecadores, é ao mesmo tempo santa, e sempre necessitada de purificação.... A Igreja continua o seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus, anunciando a paixão e a morte do Senhor, até que ele venha. No poder do Senhor ressuscitado encontra a força para vencer, na paciência e na caridade, as próprias aflições e dificuldades, internas e exteriores, e para revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que no fim dos tempos ele se manifeste na plenitude de sua luz” (Lumen Gentium, 8).  

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

sábado, 23 de junho de 2018

RESSURREIÇÃO DA CARNE



Com a graça de Deus, veremos que havemos de ressuscitar, não com um corpo etéreo ou outro qualquer, mas com a mesma carne que agora temos e da qual sairá a alma na hora da morte.

A fé na ressurreição da carne neste sentido supra explicado, existia, segundo o testemunho da Sagrada Escritura, já no Antigo Testamento: "Eu sei, diz Jó, que o Redentor vive e que no último dia ressurgirei da terra, serei novamente revestido da minha pele, e na minha própria carne verei meu Deus" (Jó XIX, 25 e 26). Também o Espírito Santo louva a Judas Macabeu, quando, fazendo menção da coleta que tinha feito e oferecido  ao Templo para o sacrifício pelos que tinham caído no campo da batalha: "Obra bela e santa, inspirada pela crença na ressurreição, porque se ele não esperasse que os mortos haviam de ressuscitar, seria uma coisa supérflua e vã orar pelos defuntos" (2 Macabeus XII, 43 e 44). "A multidão dos que dormem no pó da terra, acordarão uns para a vida eterna e outros para o opróbrio, que terão sempre diante dos olhos" (Daniel XII, 2).

Esta doutrina da ressurreição foi ensinada muitas vezes sobretudo no Novo Testamento. Primeiramente pelo próprio Jesus e de uma maneira a mais clara possível: "Virá tempo em que todos os que se encontram nos sepulcros ouvirão a voz do Filho de Deus; e os que tiverem feito obras boas, sairão para a ressurreição da vida; mas os que tiverem feito obras más, sairão ressuscitados para a condenação" (S. João V, 28 e 29). Refutando os saduceus, Jesus deduzia da ressurreição dos corpos de que as almas eram imortais. Pois tendo-lhe os saduceus proposto uma questão capciosa com respeito à ressurreição dos mortos, para O poderem acusar de alguma contradição ou absurdo na doutrina, disse-lhes: "Quanto à ressurreição dos mortos, não tendes lido o que Deus falou, dizendo-vos: eu sou o Deus de Abraão, de Isaac e Jacó? Não é Deus dos mortos, mas dos vivos" (S. Mat. XXII, 31 e 32). É como se dissesse: Vós, saduceus, negais a ressurreição dos mortos, porque não credes na imortalidade das almas. Pois, a alma é imortal. E se morrera com o corpo então o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, que morreram segundo o corpo, seria Deus dos mortos e não, como ele é, Deus dos vivos. Portanto, se a alma vive depois da morte corporal, segue-se que ela se reunirá um dia com o corpo que ela animou, e que os mortos ressuscitarão.

Jesus ressuscitou a Lázaro depois de quatro dias já sepultado, e, portanto em estado de putrefação. Para Deus nada é impossível. Como será impossível à Onipotência divina ressuscitar os nossos corpos convertidos em pó e cinza, sendo Ele quem os formou do nada? É porventura o mistério da ressurreição o único deste gênero que se apresenta à nossa vista? Olhai para o grão que cai na terra e se corrompe. O que sucede? Uma planta viva nasce da semente corrompida, e depois dá flores e frutos.

A mesma doutrina ensinam os Apóstolos. São Paulo se serviu inclusive desta figura logo acima citada: "Mas dirá alguém: Como ressuscitarão os mortos? E com que corpo virão? Néscio, o que tu semeias não toma vida, se primeiro não morre. Quando tu semeias, não semeias o corpo que há de nascer, mas um simples grão, como, por exemplo, de trigo ou de qualquer outra coisa" (1 Cor. XV, 35-37). Com isto o Apóstolo significa precisamente que aquela corrupção e dissolução do corpo é uma condição prévia e indispensável para a ressurreição, assim como  a corrupção da semente para dela brotar a planta.

 São Paulo falou da ressurreição nos seus discursos públicos diante do Grande-Conselho (Atos XIII), diante do governador Félix (Atos XXIV); nas suas epístolas: "Se os mortos não ressuscitam, então Jesus Cristo não ressuscitou" (1 Cor. XV, 16). "Porém, Jesus Cristo ressuscitou de entre os mortos com o seu próprio corpo; logo também vós ressuscitareis como Ele. Pois, aquele que ressuscitou de entre os mortos também ressuscitará os vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito, que habita em vós" (Rom. VIII, 11).

Terminemos com mais um símbolo belíssimo da ressurreição: O bicho da seda, sendo verme disforme e quase asqueroso, fabrica o seu sepulcro, descansa nele largos meses, e depois rompe o seu invólucro, e levanta-se brilhante mariposa que se eleva nos ares. Porventura Deus, autor sapientíssimo da natureza, nos põe em vão diante dos olhos esta imagem viva da ressurreição? Com certeza que não. Ressuscitaremos. A fé no-lo ensina, e até a natureza visível no-lo recorda. Caríssimos, ressuscitaremos! Amém!


sexta-feira, 22 de junho de 2018

A REENCARNAÇÃO É UMA TEORIA ESPÍRITA SEM NENHUMA BASE



Para os espíritas não morremos uma só vez, porque depois da morte nos encarnamos de novo e tornamos a viver. É bom que todos saibam que este é, por assim dizer, "O DOGMA" do espiritismo; e assim o chamava Allan Kardec. Em consequência desta teoria mentirosa (porque sem nenhuma base bíblica, filosófica e científica), seguem-se outras teorias mentirosas do Espiritismo: não existem os juízos particular e universal, não existem nem purgatório, nem inferno, nem céu. O espírita fica insensível diante da morte.  
Quanto a contradição com as Sagradas Escrituras, basta citarmos um texto e mesmo assim para os cristãos, porque o Espiritismo também não acredita na Bíblia. Aliás, a doutrina espírita é a negação completa e total da Doutrina Cristã. Qual é este texto das Sagradas Escrituras que destrói totalmente a possibilidade de reencarnação? É este de S. Paulo: "Foi decretado que os homens morram uma só vez, e que depois disso se siga o juízo" (Hebreus IX, 27). Logo, depois da morte, sentença imediata, prêmio ou castigo. Na verdade, o Espiritismo transforma fantasias em dogmas de fé, e assim destroem os verdadeiros dogmas da fé.
Quanto ao fundamento filosófico para a reencarnação, também não existe. É mais ou menos assim: existe Saci-Pererê? Prá quem acredita, existe; prá quem não acredita, não existe. Assim há espíritas que não acreditam na reencarnação; para eles não existe. Há outros que acreditam: para estes existe. Que belo argumento filosófico! Allan-Kardec dizia: "Generalidade e concordância no ensino, esse é o caráter essencial" da doutrina espírita. Ora, em matéria de reencarnação não há concordância. Os espíritas latinos, com Allan-Kardec è frente, aceitam a reencarnação, porque "os espíritos superiores revelaram". Já os anglo-saxões, com Staidon Moses, D. Home condenam a reencarnação, porque "os espíritos superiores revelaram". Portanto, a base filosófica do Espiritismo não passa de balela, contradita pelos próprios espíritas.
E quanto à base científica? Vejam o que dizia Allan-Kardec: "O Espiritismo é, antes de tudo, uma ciência..." e "o Espiritismo  -  em suma  -  é uma sociedade científica, como tantas outras, que se ocupa de aprofundar os diferentes pontos da ciência espírita". Mas, nada mais falso! Que é ciência? É o conhecimento metódico de uma coisa, pelas suas causas. O que diferencia conhecimentos científicos de conhecimentos vulgares, não científicos, é o método. O método leva à certeza. Porque não fica no achismo, mas tudo é comprovado metodicamente pelas experiências. Portanto, sem certeza demonstrada metodicamente não há ciência. Só é científico o que é demonstrado metodicamente.
Mas, que significam para os espíritas estes "espíritos superiores". O Espiritismo engana a muitos com " a comunicação com os espíritas". Os intermediários são os MÉDIUNS. Mas o próprio Allan-Kardec fala em médiuns trapaceiros, interesseiros, ignorantes, velhacos, mistificadores...
Agora, não poderia deixar de falar sobre o papel do demônio no Espiritismo. Quando em 1975, havia há poucos dias tomado posse de minha primeira paróquia (Paróquia da Igreja de Nossa Senhora do Terço em Campos, RJ, apareceu um senhor estranho e pediu-me uma conversa em particular. Perguntei se era confissão e ele disse que não. Disse-me o tal homem: Desde de novo que pertenço ao Espiritismo, e sei de tudo a respeito, mas por fim o meu chefão, pediu que eu entregasse minha alma ao demônio e, só assim, poderia conseguir o máximo. E perguntou-me: que você acha? Demorei muito tempo explicando a doutrina católica, a única verdadeira. Mas despediu-se e nunca mais o vi. Qual foi sua intenção não sei. Mas Deus permitiu isso no início de meu ministério, e com certeza muito me incentivou para lutar contra o Espiritismo que já naquela época grassava terrivelmente em Campos. Contei esta passagem para meu pai e ele disse-me que iria contar o que se passou com meu avô: "Certo dia,  -   disse-me meu pai  -   um grande amigo de papai convidou-o para ir á uma sessão espírita. Ele disse que sendo católico, não iria, porque o espiritismo tem ajuda do demônio. Mas tanto o amigo insistiu, dizendo que ele também era católico e que só queria um companheiro para ver como funcionava aquilo. Por fim meu pai consentiu, mas que ele ficaria de lado rezando o seu santo terço. Assim foram. Chegando lá pela meia noite, estando todos na sala, o meu pai rezando discretamente o seu terço, eis que chegam os médiuns e começam a invocar alguém com nome diferente. Mas ficaram todos parados durante algum tempo, porque nada diferente aconteceu. Então o dono do Centro Espírita, voltou-se para os assistentes e perguntou se ali havia alguém descrente de seu trabalho. Meu pai, respondeu que era ele, que estava rezando o Terço. O homem chamou-o lá fora e disse-lhe: Filipe Murucci (era o nome de meu avô), não diga nada prá ninguém, mas, na verdade, isto aqui é um meio de vida, com a ajuda do demônio. Mas hoje falhou, porque você estava rezando o Terço, e, em verdade, sei que a Igreja verdadeira é a Católica".
Caríssimos, o que reina no Espiritismo é a fraude, mas não podemos negar que, às vezes, há intervenção do demônio, que, como todos sabem, é o pai da mentira, da trapaça. Aliás o Espiritismo teve inícios em trapaças numa família de sobrenome Fox, como depois veremos. Realmente, há certos fatos no Espiritismo que só se explicam por intervenção do demônio. Não pode ser Deus, nem Anjo bom, nem alma. As almas dos  defuntos estarão ou no purgatório, ou no céu, ou no inferno. Mas estão sob o domínio de Deus como os Anjos bons. Elas e os Anjos só poderiam aparecer ou intervir com permissão especial ou desígnios de Deus, como aconteceu com o Rei Saul (Cf. 1 Samuel XXVIII  e neste caso, de acordo com a maioria dos exegetas, Samuel apareceu realmente, não porém, por força das palavras da necromante (a qual ficou aterrorizada), mas por obra de Deus, que quis anunciar por boca de Samuel o grande castigo. Na verdade, Deus proíbe a necromancia como se lê em Levítico XIX, 31 e XX, 6).  Ora, Deus não poderá manifestar-se ao permitir que os Anjos bons ou almas se manifestem de algum modo em sessão espírita. Se Deus se manifestasse, ou permitisse seus Anjos bons ou almas se imiscuírem nas sessões espíritas, Deus estaria favorecendo a mentira e a trapaça; o que seria blasfêmia afirmá-lo. Trapaça não é de Deus mas do demônio. São Paulo escreve umas coisas na Bíblia que parecem estar se dando no Espiritismo: "Aparecerá aquele tal na virtude de Satanás, com toda sorte de portentos e prodígios, procurando a todo transe levar à iniquidade os que se perdem por não abraçarem o amor à verdade, que os poderia salvar. É por isso que Deus lhes manda o poder da sedução, para darem fé à mentira e serem entregues ao juízo todos os que não deram crédito à verdade, mas antes se comprazeram na iniquidade" (II Tess. II, 9 -14).
Poderiam os espíritas dizer: nem tudo é demônio, mas há mensagens boas, de amor e fraternidade... Resposta: nem tudo pode ser demônio, é sobretudo o médium que se engana e engana os outros. E mesmo o demônio, como diz a Bíblia, "se transforma em anjo de luz" (II Cor. XI, 14), para melhor enganar.
Para terminar: Em 1959, quando eu estudava em Tombos, MG. o nosso Bispo D. José Eugênio Corrêa, da Diocese de Caratinga, escreveu um livrinho "O ESPIRITISMO".  No c. 2 . O ESPIRITISMO NASCEU DE UMA TRAPAÇA diz o seguinte: "Sob o título de um grande acontecimento na história do Espiritismo, "La Revue Spirite", uma das principais e mais antigas do Espiritismo, fundada pelo próprio Allan Kardec em 1858, resume uma solenidade de quatro dias em Hydesville, por motivo da inauguração de um monumento comemorativo das primeiras manifestações espíritas, que ali se deram em 1848. A ideia do monumento veio do Congresso Espírita de Paris, realizado em 1925. Entre as cerimônias oficiais realizadas em Hydesville, conta-se uma peregrinação espírita que ali foi colocar uma lápide de granito onde se lê: "Aqui nasceu o movimento espírita moderno. Neste lugar em Hydesville estava a casa de habitação das irmãs Fox, cuja comunicação mediúnica com o mundo espírita foi estabelecida a 31 de março de 1848".
A família Fox compunha-se de Dr. João, Margarida sua esposa, e as filhas Margarida e Catarina. Os filhos, Davi e Ana Lah, moravam fora. A casa dos Fox era tida por mal assombrada.
A mãe começa a ouvir ruídos estranhos, que pareciam vir do quarto das meninas, com a particularidade de só se produzirem, quando elas estavam acordadas. A mãe ia ficando muito alarmada, enquanto que as meninas não se incomodavam.
A 31 de março de 1848, dia célebre para o Espiritismo, a mais moça da meninas teve a idéia de dizer estas palavras: "Ouve tu, pés de cabra, como eu faço". E batia com os dedos da mão. E golpes misteriosos repetiam o que ela fazia. Isto na presença da mãe, enquanto que as meninas estavam na cama, cuja cabeceira e  pés eram de tábuas de madeira. Note-se, ainda, que a mãe era supersticiosa e medrosa. E as meninas brincalhonas.
Depois a própria mãe pergunta: "Serás um espírito?" Se assim és, dá dois golpes". E os dois golpes se fizeram ouvir. E as experiências se repetiram de diversos modos. E a notícia dos acontecimentos ia-se espalhando.
As irmãs Fox mudaram-se para Rochester e o espírito as acompanha. Veio juntar-se a elas a irmã Lah, espírito prático e interesseiro. Foi ela que se lembrou de atribuir as pancadas aos espíritos do outro mundo.
Depois de quatro meses, mudam-se para Nova Iorque e de lá o incipiente Espiritismo alastrou-se pelo mundo.
Seria mesmo espírito do outro mundo? Nenhuma prova. Ao contrário, os sinais de trapaça são evidentes.
Em fevereiro de 1851, uma comissão de médicos e professores de Buffalo inspecionam tudo, examina as meninas e se pronuncia contra a autenticidade dos fatos.
Em 1888 Margarida revelou ao New York Herald que ela e sua irmã Catarina haviam sido, desde o início, vítimas da Lah. O que faziam eram imitar pancadas com os dedos e responderam elas mesmas para enganar a mãe. Depois, por sugestão de Lah e outras pessoas interessadas, acharam bom o "negócio" e assim mantiveram e alimentaram a mentira. Disse textualmente: "Nossa irmã servia-se de nós nas suas exibições, e nós ganhávamos dinheiro para ela..." (N. Y. Herald, de 24 de dezembro de 1888).
Pouco depois, a 9 de outubro, sua irmã Catarina chagava da Europa e fazia idênticas declarações ao New York, diante de uma multidão de pessoas, entre as quais numerosos espíritas.
Dizem os espíritas que dois meses depois houve uma contra-retratação. Mas, a portas fechadas, perante espíritas, e nenhuma prova. Eles dizem e é só...
Devemos notar que a retratação foi pública, solene e livre, com todas as características da sinceridade. E da contra-retratação nada consta de claro.
Catarina morreu em 1893, vítima de excesso de álcool Margarida fez-se católica (eram antes de família protestante).
Estava desfeita a trapaça. Acontece, porém, que em França, Léon Hippolyte Denizart Rivail  (Allan-Kardec), havia-se feito codificador e doutrinador do espiritismo. Foi ele propriamente o Fundador do Espiritismo como Religião.
Uma ideia em marcha, por muito absurda e ilusória que seja, não volta mais atrás e encontrará sempre adeptos. Como diz a Bíblia: "É infinito o número dos estultos" (Eclesiástico I, 15).

quinta-feira, 7 de junho de 2018

GREVE

GREVE: PALAVRA DA IGREJA 

                                                                                                                                   Dom Fernando Arêas Rifan*

            Por ocasião das recentes greves, sobre a sua legitimidade e devidos limites, há que se recordar aos católicos o que a Igreja ensina a respeito: quando houver conflitos e problemas, a solução normal é a negociação e o diálogo de conciliação; a greve deve ser o último recurso, um meio extremo, que pode ser legítimo e até necessário; mas tem seus limites, que são o bem comum e os serviços essenciais assegurados, além de não dever ser usada para uso político.
           
Ao agirem em prol dos justos direitos dos seus membros, os sindicatos lançam mão também do método da ‘greve’, ou seja, da suspensão do trabalho, como de uma espécie de ultimatum dirigido aos órgãos competentes e, sobretudo, aos fornecedores de trabalho. É um modo de proceder que a doutrina social católica reconhece como legítimo, observadas as devidas condições e nos justos limites. Em relação a isto os trabalhadores deveriam ter assegurado o direito à greve, sem terem de sofrer sanções penais pessoais por nela participarem. Admitindo que se trata de um meio legítimo, deve simultaneamente relevar-se que a greve continua a ser, num certo sentido, um meio extremoNão se pode abusar dele; não se pode abusar dele especialmente para fazer o jogo da política. Além disso, não se pode esquecer nunca que, quando se trata de serviços essenciais para a vida da sociedade, estes devem ficar sempre assegurados,inclusive, se isso for necessário, mediante apropriadas medidas legais. O abuso da greve pode conduzir à paralização da vida socioeconômica; ora isto é contrário às exigências do bem comum da sociedade...” (S. João Paulo II, Encíclica Laborem Exercens, nº 20, 14/9/1981).     
            A sua atividade (dos sindicatos) não está... isenta de dificuldades: pode sobrevir a tentação... de aproveitar uma situação de força, para impor, principalmente mediante a greve - cujo direito, como meio último de defesa permanece, certamente, reconhecido - condições demasiado gravosas para o conjunto da economia ou do corpo social, ou para fazer vingar reivindicações de ordem nitidamente política. Quando se trata de serviços públicos em particular, necessários para a vida cotidiana de toda uma comunidade, dever-se-á saber determinar os limites, para além dos quais o prejuízo causado se torna inadmissível” (B. Paulo VI, Octogesima Adveniens, 14). “Quando... surgem conflitos econômico-sociais, devem fazer-se esforços para que se chegue a uma solução pacífica dos mesmos. Mas ainda que, antes de mais, se deva recorrer ao sincero diálogo entre as partes, todavia a greve pode ainda constituir, mesmo nas atuais circunstâncias, um meio necessário, embora extremo, para defender os próprios direitos e alcançar as justas reivindicações dos trabalhadores. Mas procure-se retomar o mais depressa possível o caminho da negociação e do diálogo da conciliação” (Gaudium et Spes, 68).
        greve é moralmente legítima, quando se apresenta como recurso inevitável, senão mesmo necessário, em vista dum benefício proporcionado. Mas torna-se moralmente inaceitável quando acompanhada de violências, ou ainda quando por feita com objetivos não diretamente ligados às condições de trabalho ou contrários ao bem comum” (Cat da Igreja Cat, nº 2435).

*Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney
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terça-feira, 29 de maio de 2018

DESEJO ARDENTE DA COMUNHÃO



Além da fé viva, da humildade e máxime da pureza de coração, tão perfeita quanto nos é possível, disposições estas gerais para a sagrada comunhão, devemos ademais ter um desejo ardente por unirmo-nos a Jesus, já que Ele instituiu a Eucaristia desejando ardentemente se unir a nós.

Caríssimos, assim como a fome dos alimentos materiais indica ordinariamente a boa disposição em que está o corpo para os tomar e aproveitar, assim também um grande desejo de receber a Eucaristia é uma excelente disposição para participar abundantemente de seus benéficos efeitos. Santo Agostinho exprime-o com estas palavras: "Panis iste famem hominis interioris requirit" (Trat. XXVI in Joan.). Traduzido: "O homem interior deve ter fome do pão celestial (para o comer santamente)". Comentando o versículo 11 do Salmo 80: "Abre a tua boca e eu te encherei" o grande Santo Padre da Igreja, S. Jerônimo assim muito bem se exprime: "Quereis receber o alimento do Senhor? Ouvi o que Ele vos diz: Abri a vossa boca, e eu a encherei. Abri a boca do coração, porque recebereis à proporção que a abrirdes. A medida das graças que vos serão dadas, não depende de Mim, mas de vós". Caríssimos meditemos profundamente nestas palavras: Se desejas a Jesus Cristo, se O desejas com todo o ardor de que és capaz, recebê-Lo-ás todo, a Ele e todo o bem que quer fazer. Portanto, nunca jamais aproximemos da mesa eucarística com tibieza, por rotina, quase sem pensar na grandeza e sublimidade do ato que realizamos. Porque Jesus por nosso amor quis se ocultar tão humildemente, não vamos esquecer a sua grandeza e santidade, não O desprezemos nem O tratemos com indiferença. Avivemos a nossa fé e procuremos comungar com a mesma devoção e o mesmo respeito como se víssemos a imagem viva de Jesus na Hóstia em atitude de nos abençoar. Mas, "bem-aventurados os que não viram e creram".

Nunca estamos melhor dispostos a receber as graças deste sacramento, do que quando podemos dizer ao divino Salvador: "Minha alma vos desejou de noite; e despertarei de manhã, para vos buscar com o meu espírito e com o meu coração" "Anima mea desideravit te in nocte, sed et spiritu meo in praecordiis meis de mane vigilabo ad te" (Isaías XXVI, 9). Os primeiros cristãos viviam pela Eucaristia, e por isso, "era como se fossem um só coração e uma só alma". E eles chamavam à Eucaristia "DESIDERATA", porque ela era o centro de todos os seus desejos.

Caríssimos, consideremos duas coisas que contribuem precipuamente para excitar em nós o desejo de comungar: a REFLEXÃO e a MORTIFICAÇÃO. Na verdade, que é o desejo? É um movimento da alma, pelo qual, conhecendo o valor de um bem de que está privado, aspira a possuí-lo. É mister pois refletir sobre os maravilhosos frutos da sacramento dos nossos altares. Uma alma apaixonada pela sua união cada vez mais íntima com Jesus, que é já a santidade, e que conhece a virtude da Eucaristia, seja para destruir em si o pecado até à sua raiz (pois Ela amortece as paixões) seja para a elevar à mais sublime perfeição, arde necessariamente em desejos de A receber. Por esta razão quem não medita nos benefícios da comunhão bem feita, termina comungando sem o desejo ardente, e por conseguinte, pouco fruto tira da comunhão. Continua frio como dantes, embora tenha recebido dentro de si uma fornalha de amor, que é o Coração Eucarístico de Jesus. Coisa triste, lamentável e que, no entanto, não parece ser tão rara assim!!!

Mas ainda aqui é necessário juntar o jejum à oração, isto é, a mortificação dos sentidos à meditação dos bens infinitos, que obtém uma fervorosa comunhão. A procura dos prazeres terrestres diminui as forças da alma, e torna-a menos capaz de desejar os celestes. As alegria sobrenaturais têm pouco atrativo para um coração todo ocupado de gozos puramente humanos; mas se o privam desses gozos, como não poderia viver sem prazer, corre com todas as forças pelo caminho que lhe abrem, mostrando-lhe a doçura que experimentará no banquete eucarístico. Os hebreus deviam cingir os rins para comer o cordeiro pascal; deviam misturar com este alimento alfaces bravas e amargosas: para nos ensinar, com estes símbolos de mortificação, quão conveniente é dispor-nos para a comunhão com os exercícios da penitência.

Diz Deus no Livro do Apocalipse: "Darei ao que vencer um maná escondido" (II, 17). Assim Deus não promete o maná e a sua secreta consolação senão ao vencedor, isto é, ao homem que sabe domar as suas paixões. A Eucaristia é uma fonte de inefáveis delícias, mas para os que dominam a sua sensualidade, e não para os que são escravos dela.

Caríssimos, nada melhor do que terminar estas breves reflexões com as sábias e não menos ardentes palavras de Santo Agostinho: "Ó Senhor aproximar-me-ei com fé da Vossa mesa, participando dela para ser por ela vivificado. Fazei, Senhor, que eu seja inebriado pela abundância da Vossa casa, e dai-me a beber da torrente das Vossas delícias. Porque junto de Vós, está a fonte da minha vida: não fora de Vós, mas ali junto de Vós, está a fonte da vida. Quero beber para viver; não quero atuar por mim, pois posso perder-me, não quero saciar-me no meu coração para não ficar árido; quero antes aproximar a minha boca da fonte onde a água não se esgota. Suprirei as desculpas vãs e mesquinhas e aproximar-me-ei da ceia que me deve fortalecer interiormente. Não me detenha a altivez da soberba: não, não me torne orgulhoso a soberba; nem sequer me detenha a curiosidade ilícita, agastando-me de Vós; não me impeça o deleite carnal de saborear o deleite espiritual. Fazei que eu me aproxime e me fortaleça; deixai que me aproxime embora mendigo, fraco, aleijado e cego. À vossa ceia não vêm os homens ricos e saudáveis que julgam caminhar bem e possuir a agudeza de vista, homens muito presunçosos e por consequência, tanto mais incuráveis quanto mais soberbos. Aproximar-me-ei qual mendigo, porque me convidais Vós que, de rico, Vos fizestes pobre por mim, para que a vossa pobreza enriquecesse a minha mendicidade. Aproximar-me-ei como fraco, porque o médico não é para os que têm saúde senão para os doentes. Aproximar-me-ei como aleijado e Vos direi: 'Dirigi Vós os meus passos pelas Vossas veredas'. Aproximar-me-ei como cego e Vos direi: 'Iluminai os meus olhos, a fim de que eu jamais durma o sono da morte'". Amém!

domingo, 27 de maio de 2018

AS SANTAS DELÍCIAS DA COMUNHÃO BEM FEITA



Quem tem fé viva não pode ficar insensível ao comungar com as devidas disposições, pois, está convicto que recebe o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. Sabe que permanece em Jesus e Jesus nele, sabe que adquire o penhor da vida eterna, da ressurreição gloriosa no Juízo Final. Estar com Jesus é um doce paraíso, é fonte de consolações espirituais inefáveis.

Ao comungar, ainda que eu não experimente alguma consolação sensível, não é para a minha alma uma grande consolação saber com certeza que Jesus Cristo se dá a mim, e que possuindo-O, possuo o sumo bem, a fonte de todo o bem? Caríssimos, quando o Filho de Deus vem a nós, vem com as mãos cheias de dons, e o coração cheio de amor. Mas ainda que, vindo a nós na comunhão, deixasse no Céu as suas riquezas espirituais e os seus favores, e viesse só, não bastaria Ele para a minha felicidade? Afinal não é Jesus o mais precioso de todos os tesouros? Posso eu ignorar que os gozos e as consolações SENSÍVEIS são um dos menores frutos da comunhão, e que este bom Senhor priva deles muitas vezes os seus mais devotos servos e servas, para os levar a estimar mais os seus dons?

Caríssimos, os santos é que sabem falar sobre isso! Vamos ouvir alguns: "Este pão celeste, dizia S. Cipriano, encerra, à semelhança do maná, todos os gozos imagináveis, e por uma admirável virtude, faz sentir a quem o recebe dignamente aquele gosto que eles desejam, e excede em suavidade todos os outros gostos" (Serm. de Coena Domini). S. Macário afirma que a alma bem disposta acha na comunhão delícias inexplicáveis; que descobre nela riquezas que os olhos não viram nem os ouvidos ouviram" (Hom. IV). S. Boaventura põe nos lábios de Jesus estas palavras: "Ó alma, não tens tu conhecido por experiência, ao receber-Me, que saboreavas o mel com o favo que o contém, a doçura da minha divindade unida ao meu Corpo e Sangue?" Todas as obras dos Santos Padres exprimem os mesmos sentimentos.

E a Sagrada Escritura que é a Palavra de Deus escrita por inspiração do Espírito Santo, que diz à respeito da Eucaristia? Ela dá a entender, pelos símbolos de que se serve quando fala da Eucaristia, quão delicioso é este sagrado alimento para as almas bem dispostas. O próprio Jesus lembra o maná que, segundo as Escrituras Sagradas, era um pão descido do céu e que continha em si todos os gostos. E acrescenta o Divino Mestre que Ele mesmo é o Pão vivo descido do Céu; que sua Carne é verdadeira comida, e o seu Sangue verdadeira bebida e que, quem come a sua Carne e bebe o seu Sangue, permanece n'Ele e Ele no que o recebe. E pode haver maior delícia do que ter Jesus como alimento da nossa alma, e nela permanecendo?! O Divino Mestre quis ressaltar que os judeus que comeram o maná no deserto, morreram apesar disso, mas quem come sua Carne e bebe o seu Sangue não morrerá eternamente. E pode haver delícia maior do que ter a certeza de, neste mundo estar sempre com Jesus e mais ainda, ter a segurança de possuí-lo eternamente no Céu?  S. João Bérchmans dizia ternamente: "Ó meu Salvador, que há, depois da divina comunhão, que possa dar-me cá na terra doçura e contentamento?" 

São Francisco de Sales dizia que é muito avaro aquele a quem Deus não basta. Ao comungarmos com as devidas disposições é certo que Jesus nos dá o seu Corpo em alimento, o Seu Sangue como bebida, a sua vida como resgate, a sua divindade como amparo, o seu paraíso como herança. Ele esclarece o nosso entendimento, aumenta o nosso amor, purifica o nosso coração, mortifica os nossos sentidos, enfraquece as nossas paixões; comunica-nos as suas virtudes, em uma palavra: SANTIFICA-NOS!

A nossa alma, pela comunhão bem feita, é embalsamada de celestiais perfumes, abrasa-se em amor divino, canta os louvores Àquele que é todo dela; e dá-se toda a Ele. Dedica-se ao Seu serviço, experimenta suma repugnância a todos os prazeres da terra, e torna-se insensível a todas as adversidades da vida, de sorte que nem a comovem as injúrias, nem as contradições, nem o abandono das criaturas. A vista da perfeições de Jesus e o amor das suas bondades dão à alma do comungante bem disposto, a força para disposições tão heroicas e santas.

Caríssimos, creio que não seja supérfluo observar que estas grandes delícias da comunhão não são concedidas a todos, nem no mesmo grau aos que a recebem; na verdade, são poucas as almas tão puras, tão desapegadas do mundo e de si mesmas, tão crucificadas com Jesus Cristo que saboreiem toda a doçura dessas puras consolações. Quanto ao gozo espiritual, gozo este produzido pelo conhecimento dos grandes bens contidos neste sacramento, não há cristão algum, que não possa senti-lo. Basta para isto estimar os bens da graça, desejar a salvação, suspirar pelo Céu, e não esquecer que a Eucaristia é o melhor meio de realizar estes santos desejos.

Caríssimos, devemos meditar sempre nos misericordiosos desígnios que Jesus teve ao instituir este sacramento que é o amor dos amores. Quis unir-se a nós, quis tronar-Se semelhante a nós, quis encher-nos de delícias, e deste modo, inspirar-nos um amor mais perfeito, em que consiste a vida santa. Este Pão descido do Céu, é o princípio aqui na terra de uma vida santa; e é o penhor da vida eterna no Céu. Ó que nobre e ditosa vida esta de amar a Jesus e ser amado por Ele! Amém!