terça-feira, 31 de outubro de 2017

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOMENTO ATUAL

CONSIDERAÇÕES SOBRE O MOMENTO ATUAL
                                                        
            “Ficai bem atentos à vossa maneira de proceder. Procedei não como insensatos, mas como pessoas esclarecidas... porque estes dias são maus” (Ef 5, 16). “Não vos conformeis com este mundo” (Rm 12, 2).

PROPAGANDA DA IMORALIDADE – ATAQUES À FAMÍLIA:

Junto com a divulgação da imoralidade, fantasiada de arte, e a propaganda maciça do homossexualismo, travestido de respeito à diversidade, reaparece a doutrinação da Ideologia de Gênero, também com ares de liberdade e de orientação sexual.          
Configura-se, visando sua destruição, um verdadeiro ataque à família, santuário da vida, que vai perdendo seus direitos na educação dos seus filhos, os quais se tornam alvo fácil dessa onda destruidora da moral. Os bons ficam acuados. E os meios de comunicação, através de novelas e entrevistas direcionadas, vão divulgando essa mentalidade de modo bem orquestrado.
Se a crise social, política e familiar por que passamos é, sobretudo, moral, essa propaganda em nada a faz diminuir, mas, pelo contrário, aumenta-a rompendo todas as barreiras éticas que deveriam pautar o comportamento humano.
            Ao repetir o Mandamento divino “Não pecar contra a castidade”, a Igreja nos ensina a vencer a luxúria e evitar tudo o que a ela conduz, como a pornografia e a indecência no vestir. A castidade faz parte da temperança, conduz ao domínio de si, que exige um esforço constante em todas as idades da vida, especialmente quando se forma a personalidade, durante a infância e a adolescência (cf. Catecismo da Igreja Católica – CIC - 2331-2356).
São Paulo já advertia: “Fostes chamados à liberdade. Porém, não façais da liberdade um pretexto para servirdes à carne” (Gl 5, 13).
            Sobre a propaganda da imoralidade, recordo as graves palavras do saudoso Cardeal Dom Lucas Moreira Neves, acusando a Televisão, o que poderíamos aplicar também a certos sites da Internet, devido à onda de impureza que traz para dentro dos lares: “Acuso-a de ministrar copiosamente a violência e a pornografia. A primeira é servida em filmes para todas as idades. A segunda impera, solta, em qualquer gênero televisivo: telenovelas, entrevistas, programas ditos humorísticos, spots publicitários e clips de propaganda. A TV brasileira está formando uma geração de voyeurs, uma geração de debilóides. Acuso-a de ser corruptora de menores”.
E não é só contra essa imoralidade que a Igreja levanta a sua voz. Ela também repudia o assassinato de crianças e adolescentes, a prostituição infantil, a morte de crianças para o roubo de órgãos, a mortalidade das crianças nos hospitais públicos, a violência doméstica, o estupro e o feminicídio.  

            PROFANAÇÃO DOS SÍMBOLOS CRISTÃOS:

            Quanto à profanação dos símbolos cristãos, como o crucifixo, a hóstia, a imagem da Padroeira do Brasil, fazendo eco às palavras dos Bispos do Regional Nordeste 1 da CNBB, manifesto a minha indignação e repúdio diante do escárnio público desses nossos símbolos, crime de vilipêndio, condenados também pelo Código penal (Artigo 208).
            E essa indignação e repúdio deve ser a de todos os católicos e pessoas de bom senso e respeito.

            PROPAGANDA DO HOMOSSEXUALISMO:

            Sobre a homossexualidade, observamos primeiramente que se deve fazer a distinção entre pessoas e atos, entre a tendência e a prática.

Na linha do pensamento de Santo Agostinho, que dizia que Deus odeia o pecado, mas ama o pecador, e em seguimento do Papa Francisco, que pastoralmente nos ensina a aplicar sempre a misericórdia, as pessoas que apresentam essa inclinação, objetivamente desordenada, cuja gênese psíquica continua em grande parte por explicar, devem ser acolhidas com respeito, delicadeza e compaixão, pois, para a maioria, isso constitui uma provação. Evitar-se-á para com elas todo sinal de descriminação injusta. Estas pessoas são chamadas a realizar a vontade de Deus em sua vida e, se forem cristãs, a unir ao sacrifício da cruz do Senhor as dificuldades que podem encontrar por causa de sua condição. As pessoas homossexuais são chamadas à castidade. Pelas virtudes de autodomínio, educadoras da liberdade interior, às vezes pelo apoio de uma amizade desinteressada, pela oração e pela graça sacramental, podem e devem se aproximar, gradual e resolutamente, da perfeição cristã (cf. CIC nn. 2357-2358).   
A Igreja, e nós com ela, condenamos e repudiamos, pois, todas as ofensas e, mais ainda, os assassinatos e espancamentos de LGBTIs por conta da intolerância.

Mas não podemos deixar de dizer que a prática do homossexualismo é condenável. Apoiando-se na Sagrada Escritura, que os apresenta como depravações graves (cf. Gn 19,1-29; Rm 1, 24-27; I Cor 6, 9-10; I Tim 1, 10), a tradição sempre declarou que ‘os atos de homossexualidade são intrinsecamente desordenados’ (Congregação para a Doutrina da Fé, declaração Persona Humana, 8). São contrários à lei natural. Fecham o ato sexual ao dom da vida. Não procedem de uma complementaridade afetiva e sexual verdadeira. Em caso algum podem ser aprovados (CIC n. 2357).
            Por isso, a propaganda do homossexualismo como sendo algo natural é maléfica e, por isso mesmo, condenável. 
São Paulo, apóstolo, fala “com lágrimas”, que muitos “se gloriam daquilo de que se deveriam envergonhar” (Fl 3,19). E, referindo-se aos pecados e perversidade dos pagãos, o mesmo apóstolo nos recorda a moral natural: “Por isso, Deus os abandonou aos desejos dos seus corações, à imundície, de modo que desonraram entre si os próprios corpos. Trocaram a verdade de Deus pela mentira, e adoraram e serviram à criatura em vez do Criador... Por isso, Deus os entregou a paixões vergonhosas: as suas mulheres mudaram as relações naturais em relações contra a natureza. Do mesmo modo também os homens, deixando o uso natural da mulher, arderam em desejos uns para com os outros, cometendo homens com homens a torpeza, e recebendo em seus corpos a paga devida ao seu desvario” (Rm 1, 24-27).  
Aliás, já no Antigo Testamento, Deus já havia condenado os atos homossexuais: “Se um homem dormir com outro homem, como se fosse mulher, ambos cometerão uma coisa abominável” (Lv 20, 13).
Por isso, São Paulo, desejoso de nossa salvação, nos adverte: “Não vos enganeis: nem os impuros, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados (em latim, molles), nem os homossexuais (em latim ‘masculorum concubitores’), nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os difamadores, nem os assaltantes hão de possuir o Reino de Deus” (1Cor 6, 9-10).

IDEOLOGIA DE GÊNERO:

            A ideologia de gênero quer eliminar a ideia de que os seres humanos se dividem em dois sexos, afirmando que as diferenças entre homem e mulher não correspondem a uma natureza fixa, mas são produtos da cultura de um país, de uma época. Algo convencional, não natural, atribuído pela sociedade, de modo que cada um pode inventar-se a si mesmo e o seu sexo.
            O feminismo do gênero, que promove essa ideologia, procede do movimento feminista para a igualdade dos sexos. A ideologia de gênero, própria das associações LGBT, baseia-se na análise marxista da história como luta de classes, dos opressores contra os oprimidos, sendo o primeiro antagonismo aquele que existe entre o homem e a mulher no casamento monogâmico. Daí que essa ideologia procura desconstruir a família e o matrimônio como algo natural. Em consequência, promovem a “livre escolha na reprodução”, eufemismo usado por eles para se referir ao aborto provocado. Como “estilo de vida”, promovem a homossexualidade, o lesbianismo e todas as outras formas de sexualidade fora do matrimônio. Entre nós, querem introduzir essa ideologia, usando o termo “saúde reprodutiva”. E usam a artimanha de palavras, especialmente “discriminação” e "luta contra o preconceito”Sob esse nome sedutor – pois todos somos contra a discriminação injusta e o preconceito – querem fazer passar a ideologia do gênero, a ditadura do relativismo moral, estabelecendo uma nova antropologia anticristã, sob o nome de democracia.
Essa campanha é internacional. Na Itália, por exemplo, os folhetos distribuídos nas escolas pretendem ensinar a todos os alunos que “a família pai-mãe-filho é apenas um ‘estereótipo de publicidade’; que os gêneros masculino e feminino são uma abstração; que a leitura de romances em que os protagonistas são heterossexuais é uma violência; que a religiosidade é um valor negativo; chega-se ao ridículo de censurar os contos de fadas por só apresentarem dois sexos em vez de seis gêneros, além de se proporem problemas de matemática baseados em situações protagonizadas por famílias homossexuais”. 
 O Papa Francisco, alarmado, fala que estamos diante de uma “colonização ideológica”, de uma maldade ao ensinar a ideologia de gênero (Filipinas, janeiro de 2015). E nos alerta: “Na Europa, nos Estados Unidos, na América Latina, na África, em alguns países da Ásia, existem verdadeiras colonizações ideológicas. E uma delas – digo-a claramente por ‘nome e sobrenome’ - é a ideologia de gênero (gender)! Hoje às crianças – às crianças! –, na escola, ensina-se isto: o sexo, cada um pode escolhê-lo... São as colonizações ideológicas, apoiadas mesmo por países muito influentes. E isto é terrível” (Encontro com os Bispos poloneses, 27/7/2016).

A Igreja nos ensina: “Deus criou o ser humano como homem e mulher, com igual dignidade pessoal, e inscreveu nele a vocação ao amor e à comunhão. Compete a cada um aceitar a sua identidade sexual, reconhecendo a sua importância para a pessoa toda, bem como o valor da especificidade e da complementaridade” (Compêndio do C.I.C. n. 487).




FOGO! SOCORRO! ACUDAM!

É HORA DO PROTESTO DE TODOS:

É preciso dar um basta! É preciso que as forças morais de toda a humanidade se levantem e deem o seu brado de inconformidade com tudo isso. É hora de gritar com São Luiz Maria Grignion de Montfort: “Fogo! fogo! fogo! Socorro! socorro! Socorro!... Socorro, que assassinam nosso irmão! Socorro, que degolam nossos filhos!...”.
A Igreja levanta a sua voz de repúdio a tudo isso: sua doutrina clara já condena esses erros. É preciso que os católicos sejam lógicos e coerentes com o que a Igreja lhes ensina.
            É hora, principalmente de os leigos agirem. Não fiquem se perguntando: o que a Igreja vai falar ou fazer sobre isso? Vocês também são a Igreja. A pergunta deve ser: o que nós estamos fazendo contra tudo isso? Não fiquem esperando pelos pastores. As ovelhas têm o direito de se defenderem dos lobos que as atacam. Falem, protestem, escrevam, alertem os filhos, os amigos. Gritem nas redes sociais! Pais de família, reajam! É preciso que o mundo escute a voz dos bons e saiba que ainda existem famílias corretas, pessoas de bem e de coragem que não concordam com a imposição dessas ideologias.
            “Unindo suas forças, os leigos purifiquem as instituições e as condições do mundo, caso estas incitem ao pecado. Isto de tal modo que todas essas coisas se conformem com as normas da justiça e, em vez de a elas se oporem, antes favoreçam o exercício das virtudes. Agindo dessa forma, impregnarão de valor moral a cultura e as obras humanas” (LG 36).
            Dom Prosper Guérranger (L’Année Liturgique), sobre o episódio em que um leigo, Eusébio, levantou-se em meio à multidão contra a impiedade de Nestório, salvando assim a fé de Bizâncio, comenta: “Há no tesouro da Revelação pontos essenciais, cujo conhecimento necessário e guarda vigilante todo cristão deve possuir, em virtude de seu título de cristão. O princípio não muda, quer se trate de crença ou procedimento, de moral ou de dogma. Traições como a de Nestório são raras na Igreja; não assim o silêncio de certos Pastores que, por uma ou outra causa, não ousam falar, quando a Religião está engajada.  Os verdadeiros fiéis são homens que extraem de seu Batismo, em tais circunstâncias, a inspiração de uma linha de conduta; não os pusilânimes que, sob pretexto especioso de submissão aos poderes estabelecidos, esperam, pra afugentar o inimigo, ou para se opor a suas empresas, um programa que não é necessário, que não lhes deve ser dado”.

            Campos dos Goytacazes, 26 de outubro de 2017

                         Dom Fernando Arêas Rifan
          Bispo da Administração Apostólica Pessoal São João Maria Vianney

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

FONTES DA MORALIDADE


Em se tratando de Teologia, nunca será supérfluo lembrar, de quando em vez, que muitos termos teológicos não coincidem exatamente com a noção que vulgarmente deles se tem. Assim sendo é bom lembrar que MORALIDADE no sentido teológico significa algo que é feito livremente e levando em conta a bondade ou malícia do objeto. Portanto, ato moral não é só o que é bom, mas também pode ser o que é mau. Assim pois,  MORALIDADE, teologicamente falando, é a consideração se a coisa é boa ou má diante de Deus.

FONTES DA MORALIDADE são os elementos que podem contribuir para que um ato seja conforme ou não com a norma de moralidade. E são três: o OBJETO do ato, as CIRCUNSTÂNCIAS do mesmo e o FIM do agente. Todas estas três coisas devem ser inteiramente boas para que o ato seja bom; se, portanto, uma só delas for má, também o ato moral, será mau. Daí aquele célebre axioma teológico: Bonum ex integra causa, malum ex quocumque defectu (=para uma coisa ser moralmente boa é necessário que o seja inteiramente, isto é, que o objeto, as circunstâncias e o fim sejam bons; para ser má, basta que uma só destas três coisas seja má).

NB. Desculpem-me os teólogos por eu, às vezes, me estender em explicações, porque falo evidentemente para todos, inclusive para os que não são afeiçoados à Teologia. E como hoje infelizmente, pessoas da hierarquia eclesiástica, estão lançando a verdadeira Teologia às urtigas, é mister que todos os fiéis a conheçam bem claramente, e não venham perder a fé.

Consideremos hoje estas três fontes da moralidade: o objeto, as circunstâncias e o fim.

1. O OBJETO.
É aquilo para o qual o ato moral tende imediatamente e no qual proximamente e por si mesmo termina o vontade do agente. É o que constitui a moralidade essencial e primária, pois, ela aparece antes de qualquer outra proveniente do fim ou das circunstâncias.

A MORALIDADE DO OBJETO: 1º - Pode ser EXTRÍNSICA e INTRÍNSECA.
A moralidade do objeto é extrínseca quando o objeto, indiferente em si mesmo, se torna bom ou mau porque foi mandado ou proibido. A moralidade do objeto é intrínseca se está mandado ou proibido por ser em si mesmo bom ou mau, seja em absoluto, ou seja, independentemente de toda circunstância; seja condicionalmente, isto é, em função de algo que pode mudar. Devemos observar que, às vezes, se diz intrinsecamente mau o que com mais propriedade deveria dizer-se intrinsecamente perigoso, como por ex. o olhar algo incentivo da luxúria.

Na verdade, o objeto é bom, ou mau, ou indiferente, enquanto está de acordo com a razão, a lei ou com a reta ordem (bom) ou não(mau); ou então está fora da lei ou da reta razão (indiferente). Quando o objeto é indiferente, isto é, em si mesmo não é nem bom nem mau, o ato terá sua moralidade determinada ou pelo fim ou pelas circunstâncias. Quando a moralidade é proveniente do objeto, chama-se moralidade (bondade ou malícia) OBJETIVA.

2º - O ATO EXTERNO enquanto é objeto da vontade, comunica ao ato interno sua própria moralidade objetiva, específica; e quando é efeito ou realização, nada acrescenta de per si à moralidade do ato interno; contudo, circunstancialmente a modifica quase sempre, já por seu influxo no ato interno, que intensifica ou faz repetir, já por razão dos efeitos e consequências que se originam do ato externo, como são a edificação, o escândalo, as censuras, o dever de reparar o dano, etc..  Se o ato externo é gravemente pecaminoso, se deve manifestar sempre na confissão, pois, constitui moralmente um mesmo ato com o interno.

Devemos notar que os atos maus podem ser de três classes: a) ABSOLUTAMENTE MAU:  é mau independentemente de toda circunstância; isto porque estes atos envolvem uma repugnância com a reta ordem absolutamente necessária, por exemplo, o ódio a Deus, a blasfêmia etc.. b) INTRINSECAMENTE MAU: não precisamente em si mesmos, mas em razão de algum adjunto ou condição que depende do poder de domínio de Deus ou do homem, por exemplo, tirar coisa alheia, lesar o corpo ou a fama e coisas semelhantes que, às vezes, se tornam lícitas. Resumindo: Intrinsecamente maus são ditos proibidos porque são maus; e extrinsecamente maus são ditos maus, porque são proibidos.  c) MAU SOMENTE EM RAZÃO DO PERIGO que ordinariamente vem acompanhando o ato, como por ex., o olhar de um objeto torpe, a leitura de um livro mau, etc. Estes atos, quando houver uma causa razoável, e o perigo é remoto, se tornam lícitos. 

AS CIRCUNSTÂNCIAS: São as qualificações acidentais do ato, sem as quais este pode existir quanto à substância (substancialmente), e que, no entanto atingem de algum modo a sua moralidade. Em outras palavras: circunstâncias são as condições acidentais que modificam o moralidade substancial que sem elas tinha já o ato humano. São sete, expressas em latim neste frase: "Quis, quid, ubi, quibus auxiliis, cur, quomodo, quando?". Traduzido: Quem, que coisa, onde, com que meios, por que, como, quando? Vamos explicá-los:
QUEM: isto é, qual o agente? Por ex.: se é solteiro ou casado, se é leigo ou consagrado a Deus, etc.  -  QUE COISA: isto é, qual  a qualidade acidental ou a quantidade do objeto?  -  ONDE: isto é, em que lugar, se sagrado ou profano, etc.  -  COM QUE MEIOS: isto é, que instrumentos, meios etc.  usou o agente?  -  POR QUE: ou seja, com que finalidade, certamente extrínseca?  -  COMO: por exemplo, se de má fé ou boa fé, se de modo intenso ou não, se advertidamente ou não etc.  -  QUANDO: isto é, em que tempo e por quanto tempo? (Cf. S. Tomás, 1-2, q. 7, a. 3 e 4).

O ato humano haure sua verdadeira moralidade das circunstâncias, porque elas, que só podem ser procuradas juntamente com o objeto seja direta ou indiretamente, afetam o ato em si mesmo, enquanto é ato humano, e este depende da regras dos costumes. Ora, muitas vezes têm relação de conveniência ou inconveniência com  a razão e reta ordem. Logo, as circunstâncias afetam no ser do costume ou quanto à moralidade; e nos atos indiferentes, são as circunstâncias que determinam a moralidade do ato.

INFLUXO DAS CIRCUNSTÂNCIAS: umas determinam a moralidade do ato; outras em nada a modificam, e são consideradas indiferentes; umas deixam o objeto em sua própria espécie; e outras mudam a própria espécie do ato, ou acrescentam uma nova espécie. Assim por ex. um único pecado pode ser tornar mais de um: quem rouba comete um pecado contra o 7º mandamento de Deus; com a circunstância de roubar num igreja, acrescenta outro pecado de espécie diferente que é o sacrilégio. Assim sendo, há obrigação de na confissão contar as circunstâncias que mudam a espécie de pecado.  Lembramos também que umas circunstâncias agravam e outras diminuem a malícia do ato. E podem agravar de tal modo a malícia de um ato que, de venial, se torne mortal; como também pode diminuir de tal modo a gravidade que, de mortal, o torne venial. Nestes casos dizemos que o ato permanecendo em sua mesma espécie moral diz-se que mudou quanto à espécie teológica. As circunstâncias GRAVEMENTE pecaminosas danificam gravemente a bondade natural do ato e destroem a sua bondade sobrenatural porque afastam totalmente do fim último. Já as CIRCUNSTÂNCIAS LEVEMENTE pecaminosas (p. ex. orar com tibieza, agir precipitadamente) não tiram TODA bondade do ato, porque este conserva a moralidade essencial que lhe vem do objeto.

O FIM: É aquilo que intenta conseguir aquele que obra. O fim da obra é intrínseco à própria obra e é justamente para ele que a obra por si mesma tende. Já o fim do operante é aquele para o qual o agente livremente dirige sua intenção ou é aquele que o agente preferiu, quer se identifique com o fim da obra, quer lhe seja diverso e extrínseco à obra. Aqui considera-se somente o FIM DO OPERANTE porque, na verdade, só ele é propriamente considerado FIM.

SEU INFLUXO: O FIM DO AGENTE  comunica ao ato humano uma moralidade, não precisamente ESSENCIAL, a não ser que se identifique com o fim da obra. O fim comunica, porém, uma moralidade PRINCIPAL, pois é a causa principal do ato (S. Tomás, 1-2 q. 7 a. 4).
 1 - UM FIM GRAVEMENTE MAU corrompe TOTALMENTE   o ato se ele é o único motivo de obrar. Por ex.: se alguém dá uma esmola tão somente para arrancar a fé ao pobre que socorre. UM FIM GRAVEMENTE MAU também corrompe o ato mas SÓ PARCIALMENTE, quando o fim mau não é o motivo total e adequado da ação, p. ex., alguém vai à Missa para cumprir o preceito dominical e, ao mesmo tempo, para se encontrar com uma pessoa e fomentar maus desejos.
2 - UM FIM LEVEMENTE MAU se é TOTAL , vicia também todo o ato, porque toda a intenção do agente é má, como naquele que reza unicamente para ser visto pelos homens. Se O FIM LEVEMENTE MAU  é PARCIAL,  vicia o ato só parcialmente, pois não destrói a tendência da vontade para a bondade objetiva da ação ou para outro fim extrínseco bom, p. ex., quando alguém se aproxima dos sacramentos com reta intenção e ao mesmo tempo com o vão desejo de agradar aos homens.
3 - Um ato humano é bom na ordem moral, se é buscado como tal e com referência a Deus, com uma relação ao menos virtual implícita. Esta consiste em que a obra, por sua própria natureza e objetivamente, está ordenada ao fim último, isto é, em que seja conforme com a natureza racional e se a realize como tal.

CONSEQUÊNCIAS: Sendo Deus o único fim último,  buscar um prazer não proibido por outros capítulos,COMO FIM ÚLTIMO,  é pecado grave, pois encerra uma grave desordem, com desprezo virtual de Deus. No entanto, quando O FIM NÃO É ÚLTIMO, aí temos duas hipóteses: a) se o agente exclui positivamente o fim que pretende a natureza, pelo menos é pecado venial, pois há nisso alguma desordem; b) se o agente não exclui positivamente, provavelmente não comete nenhum pecado já que com isso não se faz senão secundar a intenção de Deus.

NOTAS: 1ª - ATOS MORAIS INDIFERENTES podem dar-se EM ABSTRATO na ordem natural, se levamos em conta só o objeto; segundo a sentença mais comum, porém, não podem dar-se EM CONCRETO, levando em conta o fim e as circunstâncias: p. ex., passear para recrear-se é uma ação boa, não indiferente, se o recreio é moderado e portanto pode ser referido a Deus; do contrário, é mau.

2ª - Para que o objeto e as circunstâncias comuniquem ao ato sua bondade, devem buscar-se diretamente e por razão dessa bondade; em troca, para que o infeccionem com sua malícia, basta que se os busque ainda indiretamente em sua causa voluntária pecaminosa e sabendo que são maus, ainda que não se queira precisamente por serem maus. 

sábado, 21 de outubro de 2017

O ATO MORAL


"Muitos dizem: Quem nos fará ver os bens? Gravada está, Senhor, sobre nós a luz do teu rosto" (Salmo IV, 6 e 7)

Vimos anteriormente em que consiste o ATO HUMANO. Mister se faz notar, porém, que formalmente  ato humano não é o mesmo que ATO MORAL. A essência da moralidade primariamente consiste na relação do ato humano com a Lei Eterna, que é a vontade de Deus que manda seja conservada a ordem natural, e proíbe que a mesma seja violada. Somente a vontade de Deus pode ser a regra da moralidade, porque só ela é a suprema norma infalível, indefectível e que tem poder de obrigar em consciência. Somente esta lei eterna dá força obrigatória às outras leis. Secundariamente, porém, a essência da moralidade consiste no modo se ser do ato humano em relação à reta razão. Pois, as ações humanas não podem ser comensuradas pela norma suprema da moralidade senão mediante a razão humana, que é, na verdade, uma certa participação e consequentemente, manifestação da razão divina.

NOÇÃO DE ATO MORAL: É aquele que é feito livremente e atendendo a bondade ou malícia do objeto. A moralidade acrescenta ao ato humano, enquanto tal, a consideração da conveniência, e não conveniência que apresenta o objeto com relação ao ser racional; ou seja, a consideração de sua bondade e malícia [alguns autores, como os Scotistas, acrescentam a indiferença] de maneira que os atos e objetos se dizem morais por esta relação.

É oportuno colocar aqui algumas observações de Santo Afonso de Ligório, que, por sua vez se baseia em Santo Tomás de Aquino: 1- O Ato moral (ou ser moral) é tudo e só aquilo que está sob a regra dos costumes, ou sob a Lei de Deus que manda ou permite. Pois, somente por ele nos ordenamos para o nosso fim último ou dele nos afastamos. 2 - É falso colocar a essência da moralidade somente na liberdade. Pois esta é pré-requerida como condição para que o ato possa ser imputado, mas não é em razão dela que o ato é imputado para o louvor ou o vitupério. Pois, quem age livremente, só por isso não é digno de prêmio, mas somente aquele que, sendo livre, age em conformidade com a divina razão ou vontade de Deus. 3 - É falso também fazer consistir a moralidade somente no voluntário. Pois, o voluntário sem liberdade de nenhum modo é imputável, porque sem ela o homem não seria senhor de suas ações. 4 - É falso, outrossim, colocar a opinião pública como regra da moralidade, porque, ela nem é infalível, nem imutável, e portanto, amanhã poderia dizer ser iníquo o que hoje apregoa como honesto (e vice-versa). 5 - Até mesmo as próprias leis civis não podem ser regra suprema dos costumes, porque as leis tanto determinam a bondade ou a malícia do ato, quanto são honestas e racionais, e portanto enquanto participam de um outro critério superior (Cf. Santo Afonso, n. 34 e 35).  

DIVISÃO DA MORALIDADE: É SUBJETIVA ou FORMAL quando é considerada no mesmo ato afetando o sujeito como uma forma. É OBJETIVA ou MATERIAL quando é considerada no objeto mesmo afetando o sujeito a maneira de matéria sobre que versa o ato.

Devemos observar também que se distinguem duas classes supremas, a saber: bondade e malícia moral [alguns autores acrescentam a indiferença moral, pelo menos num sentido impróprio e incompleto] segundo o que o ato e seu objeto estejam de acordo ou não com a natureza racional [ou lhes sejam indiferentes]. Por conseguinte, como os atos tendem para seus objetos não como são em si, senão como os apreende a inteligência, pode acontecer que um mesmo ato seja bom em si mesmo, e mau por razão do objeto enquanto apreendido pelo intelecto, e também se dá o inverso. Por ex.: Quem desse por esmola um dinheiro que falsamente crê ter sido roubado, faria uma obra boa materialmente falando, mas que seria má formalmente; e no sentido inverso: se fizesse a esmola de um dinheiro recebido de alguém, sendo que não pôde suspeitar ter sido roubado, faria uma obra boa formalmente, embora má materialmente considerada.

Observação: Em se tratando de opiniões discutíveis, não as exporei aqui sobre se há ou não ação moralmente indiferente. Apenas esclareço que Santo Tomás de Aquino, prova na Suma Teológica que não há (Cf. S. T. 1. 2, q. 1, a. 6; q. 18, a. 9). S. Tomás confirma sua opinião de que não existe ato indiferente no indivíduo, pelo próprio fato de o ato indiferente ser ocioso, e portanto mau, segundo se vê em Mateus, XII, 36: "Eu digo-vos que de qualquer palavra ociosa que tiverem proferido os homens, darão conta dela no dia do juízo". Aliás, S. Paulo diz que tudo deve ser feito para a glória de Deus: "Ou comais, ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1 Cor.  X, 31). Pergunta-se, porém, como fazer para que os nossos atos humanos e morais sejam sempre direcionados para ao fim último, isto é, honestamente bons e  meritórios? É evidente que, dada a fragilidade humana, não é possível ter uma intenção explícita atual de fazer tudo por amor a Deus. Assim Santo Afonso diz que, para tanto, basta a pessoa ter a intenção implícita quer atual quer só virtualmente. Em outras palavras, basta agir sob o influxo da intenção de um bem honesto, pelo menos havido anteriormente, porque é uma verdadeira direção do ato para o fim último. E, na prática, Santo Afonso e outros autores espirituais recomendam (não impõem) que os fiéis muitas vezes por dia ou, pelo menos, de manhã ofereçam explicitamente todas suas ações para Deus. Ademais, todas as vezes que urge o preceito de fazer um ato de caridade, urge também o preceito de, atualmente, referir todos os atos para Deus como o Fim Último (Cf. Santo Afonso, L. 2, Tract. 3, c. 2). Lembro aqui para o maior bem das almas a premente recomendação de S. Francisco de Sales, do uso das orações jaculatórias. É salutar lembrar, outrossim, o que o próprio Deus, Nosso Senhor, disse a Abraão: "Anda sempre em minha presença, e serás perfeito"(Gênesis VII, 1).

NORMA DA MORALIDADE: A moralidade, isto é, a bondade ou malícia [ou indiferença] moral, tem como norma: a) CONSTITUTIVA PRÓXIMA: É  a natureza racional humana em quanto tal, considerada em todos seus aspectos e em todas suas relações com os demais seres; CONSTITUTIVA REMOTA: É a natureza divina, como seu protótipo. b) MANIFESTATIVA PRÓXIMA: É  reta razão humana; MANIFESTATIVA REMOTA: é o entendimento divino. c) PRECEPTIVA PRÓXIMA E SUBJETIVA: É a consciência; PRECEPTIVA REMOTA E OBJETIVA: É a lei eterna de Deus.

CONSEQUÊNCIAS:  A MORAL DE SITUAÇÃO, ou existencialismo ético, em que cada qual se entenderia em particular com Deus, tomando diante d'Ele suas decisões não com base nas leis morais universais mas nas condições e circunstâncias concretas nas quais se obra, segundo o juízo da consciência individual, esta moral, digo, repugna à fé e aos princípios católicos. As leis universais não valem tão somente em abstrato para o homem UT SIC, senão também nos casos particulares para o homem UT HIC,  já que o homem existencial com suas notas individuais se identifica em sua íntima estrutura com o homem real para quem se foram promulgadas as leis universais, e não pode, por conseguinte, aceitá-las ou recusá-las à mercê do conhecimento e valorização que delas faça subjetivamente, ainda que com plena sinceridade e disposição afetiva filial diante de Deus (Cf. Pio XII, Aloc. AAS 44 (1952) 414-418; 45 (1953) 280-281).


segunda-feira, 9 de outubro de 2017

O MEDO E A VIOLÊNCIA MODIFICAM O ATO HUMANO


"Temei Aquele que, depois, de dar a morte, tem poder de lançar na geena, corpo e alma" (S. Mat. X, 28; S. Luc. XII, 5).

MEDO: É uma vacilação da mente diante da perspectiva de um perigo próximo ou remoto.
DIVISÃO: 1. MEDO GRAVE , segundo o mal que se teme seja grande, corra perigo próximo de sobrevir e seja difícil de evitar; será MEDO LEVE justamente quando faltar alguma destas condições. O MEDO GRAVE  se subdivide: ABSOLUTO  quando por sua natureza faz temer muito a toda classe de pessoas sem distinção; será MEDO GRAVE RELATIVO quando afeito muito a algumas pessoas em particular.
2. MEDO INTRÍNSECO: é quando a causa do medo está dentro da pessoa, ou melhor, quando provém de uma causa necessário, quer interna, quer externa. MEDO EXTRÍNSECO e quando provém de uma causa externa livre. Este medo extrínseco será JUSTO ou INJUSTO, segundo que a causa donde procede seja justa ou injusta.
INFLUXO: 1º. Os atos executados por medo, sempre que não turbem a razão por completo, são voluntários, ainda que com restrições; posto que a vontade os escolhe livremente para evitar o dano que ameaça, ainda que talvez o faça com repugnância.
2º. O medo grave escusa com frequência das leis positiva e pode fazer rescindíveis os compromissos contraídos sob sua ação. e sendo injusto anula os contratos gratuitos, e, segundo parece, isto pela própria lei natural, e certos atos mais transcendentes ao menos por disposição do Direito. Já o medo leve, não é levado em conta no foro externo; no interno, porém, diminui a responsabilidade, e às vezes dá lugar a retratação, indenizações, etc.
CONSEQUÊNCIA: o medo, ao diminuir a liberdade, diminui também a culpa, e às vezes de grave a faz leve; mas, de ordinário, não a suprime, a não ser que escuse da mesma a lei positiva.

VIOLÊNCIA: É a coação por parte de um agente extrínseco e livre contra uma pessoa cuja vontade se resiste. A coação não pode ser feita contra atos elícitos da vontade, mas somente contra os imperados, segundo diz Santo Tomás de Aquino: "É contra a natureza do próprio ato da vontade, que ele seja coagido ou objeto de violência".
INFLUXO DA VIOLÊNCIA: 1º - A violência ABSOLUTA, feita a quem resiste quanto pode e deve, impede por completo o voluntário; já a violência RELATIVA, feita a quem não resiste de todo, diminui o voluntário.
2º - Se alguém resiste EXTERIORMENTE, mas consente interiormente no mal, diminui a responsabilidade, porém não a suprime; se não consente INTERIORMENTE, mas também não resiste exteriormente,  imputa-lhe o ato externo se tinha obrigação de impedi-lo, a não ser em certos casos em que não dispusera para isso senão de meios claramente ineficazes ou muito extraordinários e não pudera aplicá-los sem notável incômodo.
APLICAÇÕES: Uma mulher, na conjuntura de ser violada (estuprada), tem obrigação de resistir quanto pode, mesmo gritando e empregando sua força; se esta resistência positiva, porém, sendo inútil for demasiado difícil, e ainda talvez perigosa, ela está escusada de empregá-la, com a condição de que possa evitar o consentimento. No caso de a pessoa agir passivamente por ver inútil e perigosa sua resistência, houver, porém, perigo de consentimento interno, então terá que resistir mesmo vendo que não conseguirá se livrar da violação. Assim, os autores dizem que ordinariamente, deve-se resistir quanto possa.
O Teólogo Zalba, S. J. ( escreveu em 1954) acrescenta alguns outros impedimentos do ato humano: OS HÁBITOS e AS PERTURBAÇÕES DE ESPÍRITO. O HÁBITO, seja bom ou mau, aumenta a voluntariedade e diminui a liberdade, mas nem por isso destrói a índole perfeitamente humana e imputável do ato; não obstante, o mau costume pode turbar às vezes de tal maneira a razão, que faça o homem incapaz de culpa grave.
AS PERTURBAÇÕES DE ESPÍRITO (MORBUS ANIMI): São as afeições mórbidas do cérebro e dos nervos, que repercutem no entendimento e na vontade, seja com manifestações orgânicas, como p. ex., de enfraquecimento do cérebro, seja com transtornos só funcionais, sem irregularidade apreciável nos órgãos. Tais são:
A NEURASTENIA: Se caracteriza por uma espécie de anarquia psíquica de juízos, emoções, impulsos etc., e tem múltiplas manifestações em ideias fixas, obsessões, em fobias, escrúpulos, tics, manias várias, alternativas de excitação e depressão, etc.; se nutre em temperamentos hereditariamente predispostos e, ainda que não cause perturbações orgânicas nem afeta à inteligência, o enfermo não maneja sua vontade com pleno alvedrio.
A HISTERIA:  Se caracteriza por uma extraordinária aptidão para auto-sugestionar-se, pela exaltação imaginativa, a tendência à ilusões e às concepções utópicas, e sobretudo pela diminuição da consciência da personalidade e da síntese psíquica. Os histéricos têm a especialidade das acusações mentirosas: maledicências, calúnias, invenções incríveis, dissimulações de atentados com ou sem auto-mutilações ligeiras para que a farsa resulte mais verossímil, novelas fantásticas; alguns chegam mesmo a simular o crime; às vezes, recorrem a ataques de nervos; mais frequentemente utilizam um acesso emotivo de explosão brusca para sua cena ou farsa.
A HIPOCONDRIA:  Se desenvolve em um terreno neurastênico ou histérico, sem que somaticamente ofereça nada típico. Se caracteriza pela desfiguração fantástica das sensações sinestésicas, que dá lugar à percepção de sensações somáticas extravagantes e anômalas; a isto se associa a ideia persistente de padecer graves enfermidades, provocada por indícios ridículos. A vontade tem que superar inúmeras dificuldades subjetivas e, sentindo-se deprimida e impotente, às vezes propende ao suicídio.
COMO AGIR MORALMENTE NA PRÁTICA? Deve-se ter em conta que estas perturbações sempre diminuem algo, e mais de uma vez notavelmente, o livre alvedrio; com isso o reato de culpa facilmente pode deixar de ser grave. O diretor de psico-neurópatas, depois de haver-se captado o espírito do enfermo, trabalhe com ele pacientemente, mais por persuasão que por sugestão, e desperte nele a confiança em si  próprio e no bom êxito. Deve proceder com suma cautela com os histéricos, para não ser enganado ou posto em compromissos delicados. Em cada caso anômalo considere as circunstâncias, e saiba duvidar prudentemente atinente à imputabilidade dos atos impulsionados pela perturbação.
APLICAÇÕES: 1 - Os atos dos que padecem alguma perturbação de espírito (ânimo), como não devem julgar-se demasiado facilmente isentos de toda culpa, tão pouco hão de imputar-se a seu autor como se estivesse são; determinar em cada caso o grau de imputabilidade é muitas vezes impossível e há que deixá-lo ao juízo de Deus.

2 - Não se deve imputar as blasfêmias a quem, levado do mau hábito contraído, blasfema inadvertidamente, si, havendo retratado sua má vontade, procura emendar-se; si, não a retratou, se lhe imputarão ao menos como voluntárias em causa, ainda que não cometerá tantos pecados quantas blasfêmias profira, senão quantas vezes teve advertência da obrigação de corrigir-se e não o procurou fazer. 

domingo, 17 de setembro de 2017

IMPEDIMENTOS DO ATO HUMANO


"Deus é fiel, o qual não permitirá que sejais tentados além do podem as vossas forças" (1 Cor. X, 13).

Impedimentos do ato humano são as causas que modificam de alguma maneira sua voluntariedade, influem diretamente: uns diretamente no entendimento (inteligência), como, por ex. a IGNORÂNCIA,  e aquelas coisas que a ela se equiparam como a INADVERTÊNCIA, o ESQUECIMENTO e o ERRO;  outras influenciam a própria vontade como a CONCUPISCÊNCIA e o MEDO; outras, finalmente, influem mais na execução da volição ao escolher e executar o que lhe é proposto, como é o caso da VIOLÊNCIA. Sendo o ATO HUMANO constituído de: conhecimento, volição (=vontade) e liberdade, conclui-se que tudo o que venha impedir de alguma maneira qualquer destes três elementos, modifica sua imputabilidade, seu mérito (para os atos em si bons) ou demérito (para os atos de si maus). Falaremos, então, da IGNORÂNCIA, da CONCUPISCÊNCIA e do MEDO; e da VIOLÊNCIA. Por falta de espaço, dividiremos estes assuntos em dois artigos: neste falaremos da IGNORÂNCIA e da CONCUPISCÊNCIA; no seguinte: do MEDO e da VIOLÊNCIA.

IGNORÂNCIA: Em Teologia define-se como: a falta de uma ciência (conhecimento) que moralmente se deveria ter. Esta a noção geral; mas, há várias espécies de ignorância e, explicando cada uma delas, ter-se-á uma compreensão total do que seja IGNORÂNCIA no sentido moral. 

Divisão de ignorância: 1º - POSITIVA:  enquanto é a carência de uma ciência devida, por ex.: o confessor que desconhece a Teologia Moral. NEGATIVA: enquanto é a carência de uma ciência não obrigatória, por ex.:  a ignorância do Direito Canônico para um rude camponês.

2º -IGNORÂNCIA DE DIREITO: enquanto diz respeito à existência, natureza, extensão e vigência da lei. IGNORÂNCIA DE FATO:  quando diz respeito à existência de fatos particulares. Na ignorância de fato, conhece-se a lei mas ignora-se alguma condição requerida (lugar, tempo etc.) para a aplicação da lei.

3º - IGNORÂNCIA VENCÍVEL : quando a ignorância pode muito bem ser desfeita com uma diligência razoável, dadas as condições reais ou pessoais. INVENCÍVEL: quando a pessoa não tem condição razoável para debelar a ignorância. A IGNORÂNCIA VENCÍVEL, se subdivide em: PURAMENTE VENCÍVEL: quando se pôs alguma diligência para sair dela, mas não o suficiente; CRASSA ou SUPINA: quando nenhum ou quase nenhum empenho foi empregado para depô-la. AFETADA, se a pessoa recusa de propósito os meios para averiguar a verdade (Faz-se questão de não conhecer a verdade, para não se ver obrigado a praticá-la, e, assim, poderíamos chamá-la de ignorância de má fé, porque, por ex., quer pecar mais livremente). A ignorância vencível é grave, se a obrigação de depô-la é grave; será levemente culpável, se a obrigação de depô-la é leve. Devemos observar que, à ignorância invencível equiparam-se o esquecimento total e a inadvertência plena. Mas, se o esquecimento e a inadvertência não são perfeitos, então se equivalem à ignorância vencível. 

4º - IGNORÂNCIA ANTECEDENTE: quando ela vem antes da negligência voluntária em indagar a verdade. IGNORÂNCIA POSTERIOR:  quando ela vem depois da negligência voluntária em indagar. A ignorância antecedente é inculpável; e a posterior é culpável.

Uma observação de Santo Afonso (n. 26 e segs): Deve-se fazer menção também da IGNORÂNCIA CONCOMITANTE, que se dá quando alguém ignora o que faz, mas ainda agiria, mesmo que não ignorasse, por ex.: se alguém matasse o seu inimigo julgando que fosse uma fera, no entanto, teria matado assim mesmo caso não ignorasse. Esta ignorância não influencia em nada no ato, mas  somente"per accidens" o cometeria.

A INFLUÊNCIA DA IGNORÂNCIA NO ATO HUMANO.

1º - A ignorância invencível, ainda que tenha por objeto o direito natural, impede totalmente a voluntariedade atinente ao ignorado; portanto, escusa de pecado, porém, não do efeito jurídico de nulidade do ato em leis anulatórias e inabilitantes.

2º - A ignorância vencível não tira o voluntário. Portanto, se não é uma ignorância afetada, o diminui proporcionalmente à dificuldade de dissipá-la. O ato proibido realizado com ignorância vencível é voluntário em causa. Esta ignorância tem uma malícia da mesma espécie moral que o ato ao qual se prevê que vai acontecer, e pelo qual está proibido permanecer nela. A ignorância vencível afetada, segundo diz Santo Tomás, não escusa de pecado nem no todo, nem em parte, mas, pelo contrário, até aumenta mais sua malícia. Na verdade, esta maior malícia parece que deve ser entendida como oriunda da maldade da vontade, enquanto positivamente negligencia conhecer a lei para mais livremente pecar (Cf. S. Thom. QQ. DD., q. 3 De Malo, art. 8). A maldade maior da ignorância vencível afetada também está no desprezo da lei. 

Vejamos algumas aplicações destes princípios: 1 - O marido que peca com uma mulher não sabendo por uma ignorância invencível que ela é irmã de sua esposa, é adúltero, porém não incestuoso.
2 -  O confessor, o médico, o juiz etc. que têm advertência de não ter a ciência necessária para o desempenho de suas profissões (funções) e que, podendo, não empregam os meios para adquiri-la são responsáveis pelos erros previstos de alguma maneira conforme a gravidade de sua negligência.
3 - A ignorância culpável do confessor fica suficientemente acusada pelo penitente ao confessar o ato pecaminoso a que deu lugar; e dele toma sua espécie moral, e com ele constitui uma culpa em concreto.
4 - Crianças que fizeram coisas ilícitas sem o menor peso de consciência ou suspeita de malícia, na verdade, não pecaram formalmente mas só materialmente, embora já tenham o uso da razão. Portanto, depois, quando ficam sabendo que aquelas coisas eram pecaminosas, não têm obrigação de confessá-las, porque pecados materiais não são matéria de confissão.
5 - Pecam gravissimamente os que recusam inteirar-se do que a Igreja ensina e manda, por desprezo absoluto de sua autoridade.

CONCUPISCÊNCIA: Aqui não se estuda a concupiscência no sentido explicado por S. Paulo em Romanos VII, 23, isto é, como aquele estímulo  para depravadas inclinações e que se radicam no apetite racional e sensível;"fomes peccati " (estímulo do pecado) ou "lei da carne"que temos dentro de nós mesmos em consequência do pecado original. Da ação da concupiscência que está dentro de nós, fala S, Tiago I, 15: "Cada um é tentado pela sua própria concupiscência, que o atrai e alicia: depois a concupiscência quando conceber, dá à luz o pecado". Não é desta, torno a frisar, de que aqui e agora falamos.   Aqui emprega-se o termo CONCUPISCÊNCIA para significar "o movimento do apetite sensitivo, pelo qual tendemos para um bem sensível. Ou, segundo S. Tomás: "movimento  da força apetitiva sensível que vem da visão (imagem) do bem ou do mal".
A concupiscência no sentido aqui tomado, pode ser ANTECEDENTE ou CONSEQUENTE, segundo ela seja anterior ou posterior ao ato da vontade, influindo nele ou sendo sua consequência em ordem de causalidade.

INFLUXO DA CONCUPISCÊNCIA: 1º - A concupiscência antecedente sempre diminui, porém raras vezes tira o uso da razão; daí, quase nunca destrói totalmente a liberdade, nem por conseguinte o pecado; mas sempre o atenua, e às vezes de grave o faz leve. As más ações cometidas no fervor da paixão (=no ímpeto) são em geral voluntárias indiretamente.
2º - A concupiscência conseqüente quando redunda do ato da vontade, nem aumenta nem diminui o voluntário, porque o ato já está realizado; no entanto, como diz Santo Tomás,  indica a intensidade que teve. Quando, por ex. alguém dá uma esmola, esta será mais meritória se quem a deu fê-lo com maior compaixão. No sentido contrário, quem comete um ato impuro com uma libido maior, peca mais, porque, continua S. Tomás, é sinal que o movimento da vontade foi mais forte (De Malo, q. 3. a. 11).

CONSEQUÊNCIAS: 1. Quanto aos movimentos maus, a Teologia Moral distingue os movimentos assim: 1º -  PRIMO-PRIMI, isto é, quando vêm antes da advertência, e por conseguinte feitos sem qualquer deliberação (É o que vulgarmente se diz ÍMPETO). Estes não constituem nenhuma culpa moral diante de Deus. Pode haver alguma culpa em causa, quando, por ex. a pessoa tinha previsão que poderia ter tais movimentos (de cólera por ex.) e todas as vezes que teve advertência que deveria vigiar para se dominar não o fez, será culpado em causa,  porque indiretamente são voluntários.
2º - SEGUNDO-PRIMI: isto é, quando postos com semi-advertência e semi-plena deliberação. Neste caso, estes movimentos maus serão pecados leves.
3º - SEGUNDO-SEGUNDI: São os atos maus plenamente deliberados, e daí, em matéria grave são pecados mortais, e, em matéria leve, são pecados veniais.
Pelo que foi dito, vemos que há obrigação de resistir a tais movimentos maus da concupiscência. Como? Há a resistência negativa e a positiva. Vejamos como e quando devem ser usadas: a) A RESISTÊNCIA NEGATIVA (que consiste em abster-se de todo ato aprobatório ou reprovador), não basta nem quando alguém descobre que, sem se advertir, sua vontade havia dado seu consentimento espontâneo (não revogar, então, este consentimento equivaleria a aprová-lo deliberadamente;  também a resistência negativa não basta quando, sem um ato contrário, não se pode reprimir o consentimento no mal, ou alguma ação ou efeito externo ilícito. Esta resistência negativa bastaria  teoricamente nos demais casos, havendo causa para tolerar as tendências da concupiscência como por ex., nos impulsos da carne ou da imaginação, porque não haveria consentimento; porém, praticamente, ou haverá perigo próximo de consentir, e não afastá-lo será culpa grave ou leve segundo a matéria, ou pelo menos se dará certa desordem, cuja permissão será culpa leve.
b) A RESISTÊNCIA POSITIVA (que põe atos repressivos, externos (material) ou internos (espiritual) é sempre recomendável tanto indiretamente (p. ex. distraindo-se) como diretamente. E quando é necessária, basta a resistência espiritual e indireta. Ademais, muitas vezes é esta mais recomendável, o mesmo nos impulsos da carne como nos outros, como p. ex., impulsos de blasfêmia, ou contra a fé, a caridade, etc..

Uma última observação: A negligência ou tibieza em resistir aos maus movimentos (que não raras vezes é compatível com uma displicência verdadeira da vontade), será culpa leve. Quero observar ainda que da CONCUPISCÊNCIA, consequência do pecado original e que constitui um estímulo para as más inclinações e para o pecado, falaremos, se Deus quiser, quando tratarmos do PECADO. 

domingo, 10 de setembro de 2017

PERIGO DA AVAREZA CONSIDERANDO O EXEMPLO DE JUDAS ISCARIOTES

LEITURA ESPIRITUAL 

Acautelemo-nos contra uma paixão, que pôde perverter um Apóstolo, na escola, e à vista de Jesus Cristo, e lança na alma tão densas trevas a ponto de poder levá-la ao desespero mesmo diante da própria Misericórdia.

Vimos que toda paixão cega. Mas, talvez este efeito seja mais espantoso na avareza. Vamos avaliar isto considerando seu triste efeito em um Apóstolo, Judas Iscariotes. Quem, melhor do que Judas, devia conhecer o nada das riquezas e a excelência da pobreza voluntária? E até podemos dizer que este infeliz Apóstolo tinha mais oportunidade de ver que o dinheiro  nos pode ajudar a ganhar o céu, quando o damos aos pobres. Ele era encarregado exatamente desta missão de caridade. Mas, pelo contrário, só pelo fato de estar lidando com o dinheiro, a ele se apegou. O dinheiro que ele recolhia era justamente para a Igreja poder ajudar aos pobres. Mas ele começou a se apegar, não combateu desde o início o vício da avareza. e cresceu tanto que os remédios foram frustrados, embora concedidos pelo Médico de nossas almas, Nosso Senhor Jesus Cristo. Confesso que prego contra a avareza, só porque Jesus Cristo pregou, mas, no fundo, acho que perco tempo, pelo menos em relação àqueles que já são dominados por este terrível vício.É óbvio, que, se pela pregação conseguir pela graça de Deus que muitos não venham cair neste precipício infernal, já seria razão suficiente para não só não deixar de pregar, mas um incentivo para pregar muito sobre este assunto.  Os corações dos avarentos são um terreno coberto de espinhos. Se não riem do pregador abertamente, por dentro não deixam de zombar. Estão sufocados pelos espinhos da avareza. Voltemos ao lúgubre exemplo de Judas.

Judas Iscariotes tinha ouvido os divinos ensinamentos de Jesus Cristo, a respeito do desapego dos bens da terra: "Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus" (S. Mateus, V, 3; tinha ouvido  os anátemas que fulminou contra os ricos: "Ai de vós, ó ricos! porque tendes a vossa consolação [neste mundo]; e também: "Jesus vendo esta tristeza [do moço rico a quem Jesus exigiu que deixasse tudo para O seguir] disse: Quanto é difícil que aqueles que têm riquezas entrem no reino de Deus! É mais fácil passar um camelo [corda grossa de segurar navio] pelo orifício de uma agulha, do que entrar um rico no reino de Deus" (S. Lucas, XVIII, 24 e 25). Judas, outrossim, ouviu muitas vezes, as instantes recomendações que fizera aos seus Apóstolos e a ele mesmo, mandando-os anunciar o seu Evangelho(Cf. S. Marcos VI, 8). Tinha experimentado, assim como os demais Apóstolos, como o Céu abençoa o ministério dos pobres. Quando a sua paixão desatou em murmurações contra Madalena: "Por que [este desperdício]se não vendeu este bálsamo  por trezentos dinheiros e se não deu aos pobres? Disse isto, não porque se importasse com os pobres, mas porque era ladrão, e, tendo a bolsa, roubava o que se lançava nela"(S João XII, 4-6); então Jesus louva a piedosa prodigalidade desta mulher, e profetiza que esta ação a honrará aos olhos de todo o mundo. Jesus ensinava assim que o dinheiro também ajuda a levar para o céu aqueles que o dão à Igreja para o culto de Deus. Mas Judas estava cego.

Mas, caríssimos, o exemplo do Salvador devia convencer o Iscariotes melhor que tudo o mais. Ele acreditava na sua divindade: tantas eram as provas que disso lhe tinha dado! Não ignorava que tudo o que Deus despreza, é desprezível, e o que Ele estima, estimável.  Ora, ele tinha diante dos olhos o Senhor dos universo, que não possuía nada, e nada queria possuir. E Judas com todas estas luzes não vê!

Ainda mais: o amor do dinheiro cega-o, a ponto de lhe fazer esquecer os interesses da sua mesma cobiça; pois, conhecendo a sanha dos inimigos de Jesus, podia explorar-lhes o ódio e vender por alto preço uma vingança que para eles nunca seria demasiadamente cara. Nada disto faz; é o que eles quiserem dar: "Quanto vocês me querem dar?" Contenta-se com trinta dinheiros, ele que pouco antes lamentava tanto ter perdido mais trezentos. Oh! que delírio, oh! que monstruosa cegueira! exclama São João Crisóstomo. Mas terá ela melhor explicação hoje?

Bossuet observa que Jesus Cristo não diz: Cuidado com a avareza; mas sim: "Guardai-vos e acautelai-vos de TODA a avareza, porque a vida de cada um, ainda que esteja na abundância, não depende dos bens que possui" (S. Lucas XII, 15).

Caríssimos, o amor do dinheiro endurece o coração e torna-o capaz dos maiores crimes. Apenas Judas se deixou dominar pelo espírito de interesse, tornou-se insensível a tudo: já não tem amor senão ao dinheiro. Os esforços do Salvador para o atemorizar e comover, são inúteis. Se fala da sua morte próxima, e da traição de um dos seus discípulos, todos os outros se entristecem, só Judas fica impassível. Se Judas pensava que Jesus poderia mais uma vez se escapar da morte, e assim ganharia as trinta moedas e continuaria junto do seu Mestre, Jesus desfaz este sofisma satânico, predizendo que era chegada a hora de ser entregue  aos inimigos e vai ser morto,; mas, como já dissemos, esta paixão, talvez mais do que as outras, cega o infeliz por ela dominado. Só acorda quando vê que Jesus realmente ficou preso e era conduzido pelos inimigos. Mas, em lugar de pedir perdão a Jesus, que o chamara de amigo no momento mesmo do beijo traidor, não! se desespera. e se suicida.
Jesus havia se abatido para lavar os pés dos Apóstolos. Pedro não pode consenti-lo, e exclama: "Senhor tu, lavares-me os pés? (S. João XIII, 6). Mas, Judas mostra-se indiferente e apresenta-lhe os pés. No Jardim das Oliveiras vê milagres: homens armados caindo ao som de uma palavra, e uma ferida curada repentinamente; vê a inefável bondade de seu Mestre que se inclina para receber o seu pérfido ósculo, e que ainda o trata de amigo! Nada o comove. Advertências, repreensões, ameaças, lágrimas, carícias, insinuações ternas e delicadas, Jesus emprega todos os meios para o ganhar; mas em vão; a sua alma materializada resiste a tudo; a sua avareza impele-o ao mais feio, ao mais sacrílego de todos os atentados. "Quanto quereis me dar, e eu vo-lo entregarei? Deus vítima da avareza! O Criador do mundo posto à venda, pois, há aqui um verdadeiro contrato: Jesus de um lado: eis, se é lícito dizê-lo, a mercadoria proposta; trinta dinheiros, eis o preço; Judas negociante, compradores os príncipes dos sacerdotes; Deus o vendido! A comunhão sacrílega e a desesperação virão completar estes horrores! Judas se suicida enforcando-se, e, como castigo visível de Deus, parte-se ao meio e suas vísceras se derramam pelo chão. Como não temer esta paixão, como não procurar dar esmolas aos pobres, como não pedir todos os dias a graça do desprendimento dos bens desta terra?!

E há ainda algo a mais neste vício que o torna ainda mais temível. É que a idade enfraquece as outras paixões, mas esta a idade fortalece. O avarento que viver muito para continuar procurando ter sempre mais. Quanto mais vive, mas quer juntar dinheiro. E quanto mais junta dinheiro, mais quer viver. No fundo sabe, que o ladrão da morte, roubar-lhe-á tudo. Procura não pensar nisso. Mas a graça de Deus por vezes o acorda. Mas ele abafa esta voz, abafa a consciência e procura abafar até a própria realidade.


Terminemos com a oração inspirada pelo Espírito Santo: "Inclina, Senhor, o meu coração para os teus preceitos, e não para a avareza" (Salmo 118, 36). Amém!

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

O CONCURSO DO VOLUNTÁRIO


"É necessário que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que é devido ao corpo, segundo fez o bem ou o mal" (2 Cor. V, 10).

O voluntário em si, não só o atual, mas também o meramente virtual, basta para o ato humano e para sua moralidade e valor; para isto, no entanto, o voluntário interpretativo e habitual não são suficientes. Contudo basta a intenção habitual para receber certos efeitos jurídicos ou espirituais que não exigem atuação pessoal, tais como os puros dons de Deus.

O voluntário em causa pode determinar ou aumentar a malícia do ato humano. No entanto, o efeito mau não modifica a moralidade de um ato, isto é, o efeito mau só pode ser imputado ao que põe sua causa, quando se dão estas três condições: 1ª - quando há previsão, pelo menos confusa, do efeito que se há de seguir segundo a natureza das coisas, e não só por especiais circunstâncias. Isto é requerido porque o efeito não previsto de nenhum modo e, como diz Santo Tomás, NÃO  PRECOGITADO, não pode de maneira alguma, ser voluntário ; 2ª - quando há liberdade para não por a causa, ou para retirá-la uma vez posta sem deliberação. Isto porque a liberdade é fundamento da imputabilidade e, portanto, repugna haver pecado quando este não pode ser evitado;  3ª - quando há obrigação de evitar o tal efeito, ou de impedir que se siga de tal causa. Donde, é isento de toda culpa quem enquanto, para utilidade própria ou dos outros, estuda matérias de sexto mandamento, prevê que terá movimentos torpes ou mesmo polução e depois de fato tudo isto acontece. É mister, porém, observar atentamente, que, às vezes, não há nenhum direito de por a causa, e até há uma lei estrita que a proíbe; não obstante, o efeito mau previsto e depois seguido, não é imputado como pecado, porque aquela lei não é para evitar a causa em ordem a tal efeito. Por ex.: Alguém come carne na sexta-feira com previsão de ter polução, infringe, na verdade, a lei eclesiástica, mas o polução não lhe é imputada como pecado. Assim ensina Santo Afonso, n. 10 e 14; Praec. Decal. n. 483 e 484.  

A causa de duplo efeito(um bom e outro mau) se põe licitamente, apesar do efeito mau, se AO MESMO TEMPO (simul = conjuntamente sem faltar uma sequer) houver as seguintes condições: 1ª - A CAUSA É BOA, ou ao menos indiferente, e tem um efeito bom, tão IMEDIATO  pelo menos como o efeito mau em ordem de causalidade (não precisamente no de tempo ou lugar); o AGENTE tem em mente o fim bom e tem razão grave suficiente e proporcionada para permitir o efeito mau, considerada tanto sua gravidade como sua proximidade, dependência da causa e conexão com a mesma. Atenção: se faltar uma destas condições, quer no único caso de por livremente a causa, há pecado, ainda quando não se siga o efeito, seja por razão da causa, quando esta é má em si mesma, seja, ao menos, por razão da virtude que manda não pôr tal causa, e retirá-la, uma vez posta, para que o efeito mau não se siga.  

A explicação destes princípios é a seguinte: Primeiro, em razão do fim, pois este supõe-se honesto, e o efeito mau que é previsto acontecer, não é intencionado, mas meramente permitido; em segundo lugar: em razão da causa, porque esta deve ser boa, ou, pelo menos indiferente, e embora no caso de ser má, requer-se que não seja má por causa daquele efeito que deve acontecer; porque então contrairia a malícia da causa, mas não a malícia do efeito.

O efeito mau é imputado em si mesmo: 1º - COMO PECADO, sempre que for permitido com deliberação: ou negativamente, havendo obrigação de impedi-lo; ou positivamente, havendo obrigação de abster-se de uma ação para justamente evitar o efeito mau. 2º - SÓ COMO EFEITO DO PECADO,  certamente, se antes que se siga o efeito mau, foi retratada seriamente a vontade má; e provavelmente, ainda quando não se haja retratado, se o efeito já não depende da vontade. Mas os danos, caso tenha havido, devem ser reparados.

Vejamos, agora, caríssimos, as consequências práticas destes princípios que acabamos de expor e explicar. Assim serão melhor compreendidos e assimilados:

1. Não são imputados como pecado por exemplo: alguém que se embriaga não sabendo da força alcoólica da bebida, como foi o caso de Noé, narrado na Bíblia. Não são imputados os pecados de seus leitores ao autor de um livro mau que foi editado contra sua vontade e cuja difusão já não é possível impedir; também não comete pecado um médico que sentisse movimentos da carne no exercício de sua profissão.

2. Não peca o sacerdote que administra a comunhão a um pecador oculto que se lha pede publicamente. É claro que quando o pecador é PÚBLICO, o sacerdote tem obrigação de negar-lhe a comunhão. Outro ex.: não peca quem por necessidade pede um empréstimo a um usurário. Peca, porém, a mulher que provoca em si um aborto para evitar a infâmia de seu embaraço.

3. Quem toca impudicamente uma mulher, crendo que vai sentir prazer venéreo, É RÉU  do mesmo em sua causa, quer o sinta ou não. O prazer venéreo provocado em sonhos por um mau pensamento não é imputado em si mesmo, posto que está fora do domínio da vontade, mas sim é imputado como pecado em causa, quando posta com previsão deste deleite. Penso não ser supérfluo avisar, pelo menos para os escrupulosos, que só é pecado em causa no caso do sonho quando há previsão do prazer.

4. Um homicídio, voluntário só em causa e perpetrado em estado de plena embriaguez, não é em si pecado (diante de Deus) se entre a bebida e a perda do uso da razão, se retratou da má vontade; provavelmente também não é pecado, ainda que não se retratara, posto que o ato mesmo de matar não é livre; contudo, havendo sido efeito de uma injustiça estrita, implica na obrigação de reparar os danos previstos. É claro que havendo previsão, mesmo que confusa, que na embriaguez haveria possibilidade de cometer o homicídio, então este homicídio é imputado como pecado. E é mister observar que quem cientemente põe a causa de uma ação má, no mesmo instante contrai uma malícia diante de Deus, embora a ação realmente não aconteça; e por isso deve ser confessada como desejada.

Como já dissemos no artigo anterior, três são os constitutivos do ATO HUMANO: o conhecimento, a volição e a liberdade. Falaremos do conhecimento ao tratarmos da CONSCIÊNCIA; e, sob o único vocábulo VOLUNTÁRIO falamos da volição e da liberdade, não porque ambos se identificam, mas porque nos atos pelos quais o homem viajor nesta terra tende para seu fim, realmente nunca se separam e é por isso que os teólogos empregam VOLIÇÃO E LIBERDADE indistintamente. E assim terminemos este artigo falando um pouco sobre a LIBERDADE:

LIBERDADE é a faculdade de agir ou não agir; ou de escolher uma coisa de preferência a outras.  Escolher é o mesmo que decidir-se por um de dois termos. Daí temos as divisões ou espécies de liberdade: se os dois termos são contraditórios, temos então, A LIBERDADE DE CONTRADIÇÃO;  se são contrários, temos aí A LIBERDADE DE CONTRARIEDADE; e se são simplesmente diversos, temos A LIBERDADE DE ESPECIFICAÇÃO.


Vejamos, embora de modo sucinto, os PRINCÍPIOS que regem o CONCURSO DA LIBERDADE: 1º - Como o homem é dono de seus atos ( portanto, responsável por eles diante de Deus) e por conseguinte é verdadeiro autor deles só quando os põe sem coação nem externa nem interna, a LIBERDADE é condição indispensável do ato humano para que este seja susceptível de prêmio ou castigo. 2º - Ainda que no estado de natureza decaída, o homem é realmente livre, com liberdade não só de contradição, que seria suficiente para a imputabilidade, senão também de especificação e de contrariedade, podendo-se inclinar fisicamente ao mal. 3º - A natureza decaída ajudada pela graça, que sempre tem à sua disposição quando faz o que está em seu alcance, pode observar fielmente os mandamentos; e, ainda que ferida pelo pecado, não está enfraquecida de tal modo que fique livre de responsabilidade moral diante da lei, nem possa proceder sempre em pura passividade (Cf. C. de Trento, sess. 6, can. 5). 

terça-feira, 5 de setembro de 2017

DOS ATOS HUMANOS


 O fim último do homem é a bem-aventurança eterna, ou seja, a visão e a fruição de Deus. Em se tratando de um prêmio, o homem deve tender para ela através de atos humanos, morais e sobrenaturalmente meritórios. 

Assim podemos resumir: o homem tende para o seu fim através dos atos humanos; e esta tendência deve ser regida por normas, quer interna que é a consciência, quer externa que é a lei; esta, no entanto, pode ser malograda pelo pecado; por outro lado, a tendência para o fim último deve ser promovida pela prática das virtudes. Daí  cinco tratados:  sobre os Atos Humanos; sobre a Consciência; sobre a Lei; sobre os Pecados; sobre as Virtudes. Cada um destes tratados inclui, por sua vez, vários capítulos. Ao final, teremos os Fundamentos de toda Teologia Moral.

Noção: Estritamente falando, atos humanos são todos e só aqueles que procedem da vontade deliberada. O homem peregrino aqui na terra só age de modo propriamente humano, isto é, com domínio do ato. O homem é senhor de seus atos.  Donde se conclui que somente os atos humanos são imputáveis; e, portanto os atos do homem sem o uso da razão, no sono, demente ou inteiramente distraído, são inteiramente imunes de culpa (cf. S. Th. 1-2, q. 1, a. 1). Estes atos do homem são chamados também de ATOS NATURAIS.

Divisão dos atos humanos: 1º - ELÍCITO, é o ato consumado imediatamente pela própria vontade, como os atos de amor, de ódio e de desejo. IMPERADO, é aquele que, ordenado pela própria vontade, é executado por outra potência, quer seja interna como os atos de pensar; quer seja externa, como o ato de andar, de escrever etc.

2º - INTERNO (=INTERIOR)  quando executado unicamente pelas potências internas da alma, como os atos de pensar, de amar. EXTERNO (=EXTERIOR) é aquele que a vontade executa através de órgãos externos do corpo,  como a oração vocal. O ato externo é o que nós chamamos propriamente de AÇÃO.

Dos princípios constitutivos dos atos humanos em específico: Para a constituição de um ato humano, concorrem três coisas: o conhecimento intelectual, o voluntário e o livre, ou seja, conhecimento, voluntariedade (volição) e liberdade. Falaremos, se Deus quiser, de cada um deles, ainda que sucintamente.

CONHECIMENTO INTELECTUAL: Nada pode ser desejado sem primeiro ser conhecido. Nada pode ser desejado sem a advertência e a deliberação se aquilo deva ser querido ou não.

VOLUNTÁRIO: Segundo Santo Tomás de Aquino, VOLUNTÁRIO  é o ato procedente da vontade iluminada pelo conhecimento intelectual de cada uma das circunstâncias que concorrem para a operação, quais sejam, o objeto e o fim. Ou mais resumidamente: voluntário é aquilo que procede efetivamente da vontade com conhecimento do fim.  Compreenderemos melhor ainda conhecendo as várias espécies de VOLUNTÁRIO.

DIVISÃO DO VOLUNTÁRIO: 1º - Perfeito e imperfeito. Voluntário perfeito é aquilo que é feito com pleno conhecimento (advertência) e pleno consentimento da vontade. Voluntário imperfeito: é aquilo que procede de um conhecimento obscuro, com semi-advertência, ou imperfeito consentimento.

2º - Voluntário simples ou total e voluntário com restrições. Voluntário simples: aquilo que é feito com plena deliberação e inclinação da vontade. Isto acontece quando o objeto agrada segundo todas as qualidades. Voluntário com restrições: é aquele que, segundo a vontade do homem, é condicionado e ineficaz, embora aqui e agora prevaleça o não querer. Por ex.: um jogador faria um jogo, caso não urgisse a hora da Missa.  (S. Alfons. n 9 et 21). Este voluntário com restrições acontece quando somente algumas qualidades ou circunstâncias do objeto agradam mas outras não. É um voluntário que podemos chamar de MISTO, ou seja, o ato é voluntário, mas, segundo algum aspecto é involuntário.

3º - Direto e indireto. Voluntário direto: Às vezes se identifica com o POSITIVO,  e significa uma ação ou um omissão (pelo menos se é de coisa devida) que depende realmente da vontade. Na ordem da intenção ele é o objeto imediato da vontade, embora possa estar talvez muito distante da execução. Voluntário indireto (também chamado negativo) é aquele que não é querido em si mesmo mas em outro, ou antes é previsto que se seguirá de outro diretamente desejado, como efeito conexo à causa. Por isso se chama também VOLUNTÁRIO EM CAUSA: Por ex.: Se alguém quer matar uma fera, a morte de um amigo, que não é desejada, mas é prevista, mesmo de maneira confusa, em consequência daquela ação, foi VOLUNTÁRIA EM CAUSA.

4º - Atual, virtual, habitual e interpretativo. VOLUNTÁRIO ATUAL: é quando a intenção existe no momento (hic et nunc). Por ex.: a contrição naquela pessoa que aqui e agora faz o ato da penitência. 
VOLUNTÁRIO VIRTUAL: é o ato da vontade já anteriormente posto  e que no entanto ainda de tal modo permanece que continua influenciando. Por ex.: Tal é a intenção que tem o sacerdote pelo vontade atual de consagrar ou absolver, começa a Missa ou entra no confessionário, mas pouco depois de tal modo se distrai, que não se adverte das palavras que profere; no entanto ele consagrou e absolveu verdadeiramente em virtude da intenção que ele teve e moralmente persevera e age. 
VOLUNTÁRIO HABITUAL: é aquilo que foi concebido antes e não foi retratado, mas não influi em nada em seus efeitos, porque ou pelo sono, ou por embriagues, ou por notável demora de tempo, foi interrompido. Não houve por isso propriamente causalidade mas apenas uma concomitância. Por ex.: Assim, quem tivesse pedido o Sacramento da Extrema-Unção, mas agora está em coma, ele, pela intenção habitual, recebe o sacramento. Coisa bem diferente é quando a ação procede da intenção como de sua causa: neste caso só vale a intenção atual ou a virtual, pois, a intenção habitual, não persevera mais quando a ação é posta, nem nela influencia. Por ex.: O sacerdote ao consagrar ou absolver validamente deve ter a intenção atual ou pelo menos virtual; já a intenção simplesmente habitual não seria suficiente. 
VOLUNTÁRIO INTERPRETATIVO: é quando nunca houve, mas que prudentemente se pode presumir teria tido caso pudesse ter pensado nisto. Por ex.: Assim um enfermo destituído dos sentidos, se viveu cristãmente, julga-se que quer receber a Extrema-Unção.

O VOLUNTÁRIO se DIFERENCIA: quer do VIOLENTO, que procede de uma pessoa coagida por força externa; quer do SIMPLESMENTE QUERIDO, que é objeto da intenção, mas não efeito real da vontade; quer do MERAMENTE NATURAL e do ESPONTÂNEO.

O VOLUNTÁRIO não coincide estritamente com o VOLUNTÁRIO LIVRE que procede por autodeterminação da vontade.

Para não mais se alongar, falarei no próximo artigo sobre o CONCURSO DO VOLUNTÁRIO,  e aí, tratarei do VOLUNTÁRIO EM CAUSA; e da CAUSA DE DUPLO EFEITO.


NB.: Para este tratado assim como para os demais da Teologia Moral, cotejarei vários teólogos: Santo Afonso, Noldin, Aertnys, Arregui -Zalba, Gury. As citações de Santo Tomás de Aquino são feitas por estes mesmos autores. 

segunda-feira, 31 de julho de 2017

OS EXERCÍCIOS ESPIRITUAIS DE SANTO INÁCIO

Alguns excertos da Carta Encíclica "Mens Nostra" do papa Pio XI: ..."É coisa averiguada trazerem consigo os Exercícios Espirituais esta perfeição da vida cristã. Com ela, porém, dimana deles como que espontaneamente, além da paz interior da alma, outro ponto singularíssimo que magnificamente redunda em não pequena vantagem da causa social e é o zelo de ganhar almas para Cristo que se costuma denominar espírito apostólico... Proclamamos e temos o santo retiro dos Exercícios como Cenáculos, que o poder de Deus levantou para que as almas generosas, apoiadas no socorro da graça divina, esclarecidas à luz das verdades eternas, e animadas pelos exemplos de Cristo, não só venham a conhecer de uma maneira clara o preço das almas, e se inflamem  no  desejo de as ajudar em qualquer estado de vida, em que depois de diligente exame entendam dever servir ao seu Criador, mas também aprendam qual seja o ardor e quais as indústrias, os trabalhos e as ações valorosas do apostolado cristão... O mesmo Divino Mestre, não se contentando com os longos anos de escondimento na casa de Nazaré, quis passar quarenta dias inteiros no mais apartado ermo antes de mostrar às nações o pleno esplendor do seu brilho e antes de lhes ensinar de palavra a sua doutrina celeste. Mais ainda. Em plena atividade evangélica costumava de vez em quando  convidar os Apóstolos ao silêncio benfazejo do retiro: "vinde, apartai-vos para o deserto, a descansar um pouco" ( S. Marcos, XI, 31 ). E quando se ausentou desta terra de trabalhos para o céu, quis que os seus Apóstolos e discípulos recebessem a última perfeição no Cenáculo de Jerusalém, onde por espaço de dez dias "perseverando unânimes em oração" ( Atos I, 14 ), se tornassem dignos de receber o Divino Espírito Santo. Retiro verdadeiramente memorável, e primeiro esboço de Exercícios Espirituais. Dele saiu a Igreja, cheia de força e de perpétuo vigor... A partir deste dia a prática dos Exercícios Espirituais, embora não tivesse o nome e o método de que hoje em dia nos servimos, pelo menos na substância "tornou-se familiar entre os primeiros cristãos". Assim o afirmou S. Francisco de Sales ( Tratado do Amor de Deus, liv. 12,c.8 ) e no-lo indicam testemunhos evidentes, que se encontram nas obras dos Santos Padres. S. Jerônimo, por exemplo, exortava a nobre Matrona Celância: "Escolhei um lugar acomodado longe do estrépito da família, aonde como a porto seguro vos possais acolher. Aí, seja tal o gosto da leitura dos Livros Divinos, tão frequentes os tempos de oração, tão assídua a meditação sobre os novíssimos do homem, que com este repouso compenseis as ocupações do resto do tempo. Não pretendemos com estas palavras apartar-vos dos vossos; procuramos sim que aprendais ali  e mediteis como proceder com eles" ( PL., t 22, col. 1216 ).
   Contemporâneo de S. Jerônimo, o bispo de Ravena, S. Pedro Crisólogo, dirigia a todos os fiéis aquele tão conhecido convite:"Demos o espaço de um ano ao corpo; demos à alma alguns dias... Vivamos um pouco para Deus, já que para o século vivemos inteiramente... Ressoe a nossos ouvidos a voz de Deus; não seja perturbada a nossa atenção pelo ruído das ocupações domésticas... Assim amados irmãos, assim prevenidos, declaremos guerra ao pecado... seguros da vitória" ( PL., t. 52, col. 186 ).
   "Num tempo em que os bens temporais, com o consequente bem-estar material, se estendem em certa abundância aos operários e jornaleiros, levando-os assim a uma vida mais desafogada, foi providencial disposição da bondade e misericórdia de Deus tornar mais acessível ainda ao comum dos fiéis o tesouro celeste dos Exercícios Espirituais. Servirão de contrapeso que preservem o homem de cair tristemente no materialismo teórico e prático, para que o estão impelindo as vaidades que o arrastam e as comodidades e delícias da vida em que está engolfado. É por este motivo que justificadamente incitamos e favorecemos as obras em prol dos Exercícios".