segunda-feira, 29 de junho de 2020

S. PEDRO

SÃO PEDRO, A PEDRA

                                                          Dom Fernando Arêas Rifan*

Celebramos nessa semana, a solenidade de São Pedro, apóstolo escolhido por Jesus para ser seu vigário aqui na terra (“vigário”, o que faz as vezes de outro), seu representante e chefe da sua Igreja. Fundador da Igreja de Roma e seu primeiro Bispo, tendo o Papa, Bispo de Roma, como seu sucessor, sua vida, cheia de paradigmas e ensinamentos, muito nos ensina. Por isso, todos os anos dela nos recordamos e tiramos muitas lições. Junto com São Paulo, o apóstolo dos gentios, ambos constituem as colunas da Igreja de Cristo.
Pedro se chamava Simão. Jesus lhe mudou o nome, significando sua missão, como é habitual nas Escrituras: “Tu és Simão, filho de João. Tu te chamarás Cefas! (que quer dizer pedra - Pedro)” (Jo 1, 42). Quando Simão fez a profissão de Fé na divindade de Jesus, este lhe disse: “Não foi carne e sangue quem te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu. Por isso, eu te digo: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as forças do inferno não poderão vencê-la. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus (a Igreja): tudo o que ligares na terra será ligado nos céus e tudo o que desligares na terra será desligado nos céus” (Mt 16, 13-19).
            Corajoso e com imenso amor pelo Senhor, sentiu também sua fraqueza humana, na ocasião da prisão de Jesus, na casa de Caifás, ao negar três vezes que o conhecia. “Simão, Simão! Satanás pediu permissão para peneirar-vos, como se faz com o trigo. Eu, porém, orei por ti, para que tua fé não desfaleça. E tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22, 31-32).  E Pedro, depois de ter chorado seu pecado, foi feito por Jesus o Pastor da sua Igreja.
São Pedro, fraco por ele mesmo, mas forte pela força que lhe deu Jesus, representa bem a Igreja de Cristo. “Cremos na Igreja una, santa, católica e apostólica, edificada por Jesus Cristo sobre a pedra que é Pedro... Cremos que a Igreja, fundada por Cristo e pela qual Ele orou, é indefectivelmente una, na fé, no culto e no vínculo da comunhão hierárquica. Ela é santa, apesar de incluir pecadores no seu seio; pois em si mesma não goza de outra vida senão a vida da graça. Se realmente seus membros se alimentam dessa vida, se santificam; se dela se afastam, contraem pecados e impurezas espirituais, que impedem o brilho e a difusão de sua santidade. É por isso que ela sofre e faz penitência por esses pecados, tendo o poder de livrar deles a seus filhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo” (Credo do Povo de Deus).
 “Enquanto Cristo ‘santo, inocente, imaculado’, não conheceu o pecado, e veio expiar unicamente os pecados do povo, a Igreja, que reúne em seu seio os pecadores, é ao mesmo tempo santa, e sempre necessitada de purificação.... A Igreja continua o seu peregrinar entre as perseguições do mundo e as consolações de Deus, anunciando a paixão e a morte do Senhor, até que ele venha. No poder do Senhor ressuscitado encontra a força para vencer, na paciência e na caridade, as próprias aflições e dificuldades, internas e exteriores, e para revelar ao mundo, com fidelidade, embora entre sombras, o mistério de Cristo, até que no fim dos tempos ele se manifeste na plenitude de sua luz” (Lumen Gentium, 8).
                                                                                                                                                                                                                                                                                           
        *Bispo da Administração Apostólica Pessoal
                                                                         São João Maria Vianney
                                                                    http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

domingo, 28 de junho de 2020

EVANGELHO DO 4º DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES

Leituras: Epístola de São Paulo Apóstolo aos Romanos 8, 18-23.
   Continuação do Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas 5, 1-14:

   "Naquele tempo, cercado pela multidão que viera ouvir a palavra de Deus, viu Jesus, que estava nas margens do lago de Genesaré, duas barcas paradas à borda desse lago. Os pescadores haviam descido e lavavam as redes. Entrou [Jesus] em uma daquelas barcas, que era de Simão, e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra. Sentou-se, então, e da barca pôs-se a ensinar às turbas. Quando cessou de falar, disse a Simão: Faze-te ao largo, e lançai as vossas redes para a pesca. Respondendo, Simão disse-Lhe: Mestre, trabalhamos toda a noite, e não apanhamos nada; mas por vossa palavra, lançarei a rede. Feito isto, apanharam tão grande quantidade de peixes, que a rede se rompia. E acenaram aos companheiros, que estavam na outra barca, para que os viessem ajudar. Vieram e encheram as duas barcas, de modo que estas se submergiam. Vendo isto, Simão Pedro prostrou-se aos pés de Jesus, dizendo: Afastai-Vos de mim, Senhor, que sou homem pecador. Porque estava atônito como todos os que com ele se achavam, pela pesca que haviam feito. E igualmente os estavam Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. E disse Jesus a Simão: Não temas; daqui em diante serás pescador de homens. E conduzidas as barcas para a terra, eles deixaram tudo e O seguiram". 

   Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!

   Uma noite inteira de trabalho e nem um só peixe! Por que? Aí não estava Jesus... Os pescadores não trabalharam sob as ordens, sob a Sua direção, sob a Sua assistência...Trabalharam confiados só na sua arte... na sua experiência. 

   Assim, caríssimos irmãos, o Santo Evangelho de hoje nos oferece oportunidade para falarmos sobre o trabalho frutuoso e não frutuoso. 

   O meio mais acessível de santificação é tudo fazermos à luz de Deus, com Jesus, por Jesus e em Jesus, porque, unidos a Ele, todas as nossas ações serão frutuosas, meritórias. 

   'Trabalhamos durante toda a noite, disse São Pedro, e nada apanhamos'. 

   O que é trabalhar sem Jesus?
  • É trabalhar sem a graça, sem a verdadeira luz, em cegueira espiritual, em estado de pecado mortal, sob o império de determinadas paixões. Ai! quantos cristãos trabalham assim infrutuosamente, consumindo a vida no pecado. 
  • É trabalhar para o mundo, pela terra. São aqueles que se extenuam e sofrem mil cuidados para adquirir riquezas ou honras. E tudo isto é vaidade e aflição de espírito. "Que adianta ao homem, disse Jesus, ganhar o mundo todo, se vier a perder a sua alma?" E contudo é esta a vida da maioria dos homens, mesmo de cristãos!
  • É trabalhar sem pureza de intenção, conforme a nossa própria vontade, sem procurar, nem a glória, nem a vontade divinas. O que assim se faz é sem mérito e sem fruto. Ai! e são muitos os que assim trabalham com prejuízo total, mesmo entre as pessoas religiosas, porque se age por leviandade, por rotina e com negligência. 
       Como se trabalha com Jesus?

  • Conservando sempre o estado de graça, vivendo na amizade de Jesus, para que ainda as menores das nossas ações sejam santas: "Aquele que me segue, disse Jesus, não anda nas trevas".
  • Nada fazendo senão conforme a vontade de Deus, na ordem por Ele estabelecida: "A pessoa obediente cantará vitória" (Prov. XXI, 28).
  • Não perdendo jamais de vista, em todas as nossas ações, a santa presença de Deus. Disse Deus a Abraão: "Anda na minha presença e serás perfeito" (Gen. XVI, 1). 
  • Executando todas as coisas só por amor de Deus e para Sua glória e referindo-Lhe tudo: "Quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus" (1 Cor. X, 31). 
  • Conservando-se sempre, e em tudo, em união com Nosso Senhor. Sem Nosso Senhor Jesus Cristo não podemos fazer nada de bom: "Sem mim, disse Jesus, nada podeis fazer". Com Ele, porém, tudo é abençoado!
      Terminemos ouvindo Santa Teresinha do Menino Jesus: "Senhor, Vós o vedes, caio em tantas fraquezas, mas não me admiro... Entro dentro de mim e digo: estou ainda no mesmo ponto que antes! Mas digo isto com uma grande paz e sem tristeza, porque sei que conheceis perfeitamente a fragilidade da nossa natureza e estais sempre pronto a socorrer-nos. Portanto, de que poderei ter medo? Apenas me vedes convencida do meu nada, ó Senhor, logo me estendeis a mão; mas se eu quisesse fazer alguma coisa de grande, mesmo sob o pretexto de zelo, imediatamente me deixaríeis só. Basta, pois, que me humilhe e suporte de boa vontade as minhas imperfeições; é nisto que consiste para mim a verdadeira santidade". Amém!

    quarta-feira, 24 de junho de 2020

    S. JOÃO BATISTA

    SÃO JOÃO BATISTA

                                                              Dom Fernando Arêas Rifan*
    Nesta semana, dia 24 de junho, celebramos a festa de São João Batista, filho de Isabel e Zacarias, sobrinho de Nossa Senhora e primo de Jesus, que, depois, na sua pregação, irá fazer o seu elogio: “Entre todos os nascidos de mulher não surgiu quem fosse maior que João Batista” (Mt 11,11). Modelo de penitência, humildade e firmeza de caráter.
    João Batista, assim cognominado pelo batismo que administrava, foi o precursor de Jesus, aquele que o apresentou ao povo de Israel. Anunciado ao seu pai Zacarias, foi santificado ainda no seio materno quando da visita de Nossa Senhora, já grávida do Menino Jesus, à sua prima Isabel. Por isso a Igreja festeja, no dia 24, o seu nascimento, ao contrário de todos os outros santos, dos quais ela só comemora a morte, ou seja, seu nascimento para o Céu.
    Desde criança, retirou-se para o deserto para fazer penitência e se preparar para sua futura missão. Ministrava ao povo o batismo de penitência, ao qual Jesus também acorreu, por humildade. Sua pregação era: “Arrependei-vos, pois o Reino dos Céus está próximo... Produzi fruto digno de vosso arrependimento... Eu vos batizo com água, como sinal de arrependimento, mas o que vem depois de mim é mais forte do que eu. Eu nem sou digno nem de carregar suas sandálias. Ele vos batizará com o Espírito Santo e com fogo” (Mt 3, 2, 8, 11).
    Jesus, no começo do seu ministério público, quis também, por humildade, misturando-se aos pecadores, ser batizado por João. João quis recusar, dizendo: “Eu é que preciso ser batizado por ti, e tu vens a mim?... Depois de ser batizado, Jesus saiu logo da água e o céu se abriu. E ele viu o Espírito de Deus descer, como uma pomba e vir sobre ele. E do céu veio uma voz que dizia: ‘Este é o meu Filho amado; no qual eu me agrado’” (Mt 3, 14, 16-17).
    São João Batista era o homem da verdade, sem acepção de pessoas. Por isso admoestava o Rei Herodes contra o seu pecado de infidelidade conjugal e incesto, o que atraiu a ira da amante do rei, Herodíades, que instigou o rei a metê-lo no cárcere. No dia do aniversário de Herodes, a filha de Herodíades, Salomé, dançou na frente dos convivas, o que levou o rei, meio embriagado, a prometer-lhe como prêmio qualquer coisa que pedisse. A filha perguntou à mãe, que não perdeu a oportunidade de vingar-se daquele que invectivava seu pecado. Fez a filha pedir ao rei a cabeça de João Batista. João foi decapitado na prisão, merecendo o elogio de Jesus, por ser um homem firme e não uma cana agitada pelo vento.
    Assim, a virtude que mais sobressai em João Batista, além da sua humildade e penitência, é a firmeza de caráter, tão rara hoje em dia, quando muitos pensam ser virtude o saber “dançar conforme a música”, ser uma cana que pende de acordo com o vento das opiniões, o pautar a vida pelo que dizem ou acham e não pela consciência reta, voz de Deus em nosso coração. João Batista foi fiel imitador de Jesus Cristo, caminho, verdade e vida, que, como disse o poeta João de Deus, “morreu para mostrar que a gente pela verdade se deve deixar matar”.
    Que São João Batista nos proteja e defenda nessa pandemia.  

    domingo, 21 de junho de 2020

    S. LUIZ DE GONZAGA


     Pertencia à família dos duques de Mântua (Itália) e era príncipe do Sacro Império, sendo herdeiro do feudo soberano de Castiglione. Foi batizado apenas nascido e depois educado santamente. Desde o primeiro uso da razão, ofereceu-se a Deus, e levou uma vida cada vez mais santa. Com nove anos, estando em Florença diante do altar da Santíssima Virgem, fez o voto de castidade perpétua ao qual foi inteiramente fiel até a morte. Por ser príncipe esteve muito tempo entre os soldados e era inevitável os ouvisse pronunciar palavras pouco decentes, que, na sua inexperiência, começou a repetir sem lhe saber a significação. Luiz chorou esta falta durante toda a vida, como se fossem gravíssimos pecados. A vida edificante, a prática das virtudes, importou-lhe o apelido de anjo. Foi aí em Florença que Luiz fez a primeira confissão, e fê-la com tanta dor de arrependimento. que caiu sem sentidos aos pés do confessor. 
       São Carlos Borromeu, Arcebispo de Milão, preparou-o para o primeira Comunhão, que recebeu com uma devoção comovedora. Recebendo depois a Santa Comunhão aos domingos, dedicava três dias para preparar-se e outros três dias para fazer a ação de graças. 
       Luiz guardava tão bem os sentidos, em particular o da vista, que não olhava jamais para o rosto da princesa da Espanha da qual era pajem. À guarda dos sentidos, ajuntava as mortificações corporais. Jejuava três dias na semana, usava a disciplina, dormia sobre tábuas. E isto com o fito de ter facilidade para acordar mais cedo e poder rezar. Passava horas de joelhos em oração e contemplação das coisas celestes. Tinha como lema em tudo que ia fazer: "Que vale isto para a eternidade?!" 

    S. Luiz na corte de Espanha
      Como filho mais velho era herdeiro do trono, mas a tudo renunciou depois de uma luta árdua para conseguir licença paterna, e chamado por Deus à vida religiosa escolheu a Companhia de Jesus fundada por Santo Inácio de Loiola. Luiz contava 17 anos quando foi aceito como noviço no Colégio de Roma. Modelo de virtude, que era no mundo, muito mais o fora no convento. Desejoso de regular a vida pelas obrigações da vida comum, pediu aos Superiores não usassem com ele de nenhuma consideração, querendo ser tratado com um dos últimos da casa. Nunca falou uma palavra sobre sua origem nobre. De acordo com o espírito religioso, reconhecia na obediência o fundamento de toda a virtude. Sem dar o menor sinal de ostentação, o exterior traduzia-lhe a modéstia, a humildade, a caridade e movia à devoção a quantos o viam. 
       Como grassavam em Roma a peste e a fome, Luiz ia, de casa em casa, pedir esmola aos ricos para os pobres. Não satisfeito com isso, pediu aos Superiores licença para diretamente acudir às necessidades dos empestados e prestar-lhes serviços nos hospitais. Obtida a licença, a dedicação e caridade do jovem não tiveram mais limites. Mas a fraca constituição de Luiz não resistiu às grandes fadigas e esforços verdadeiramente sobre-humanos que fazia no serviço hospitalar. Contraiu aí a peste contagiosa. A morte, porém, não podia amedrontar o angélico jovem. Quando soube que tinha chegado a hora de preparar-se para a última viagem, exclamou com emoções de alegria: "Eu me alegrei do que me foi dito: irei à casa do Senhor" (Salmo 121). Durante os últimos três dias segurava constantemente o crucifixo e o terço. De vez em quando beijava a imagem de Jesus, e os olhos se lhe enchiam de lágrimas de amor. No rosto se lhe via estampada uma paz celestial - reflexo de sua alma pura e cândida. 
       Em 21 de junho de 1591, com a idade de 24 anos começados, sobre uma tábua, como pediu, entregou a alma ao Criador. As últimas palavras que disse, foram invocações dos nomes de Jesus e Maria. Treze anos depois de sua morte, foi beatificado. Sua mãe ainda vivia, e pôde invocá-lo sobre os altares. Feliz mãe! 
       Felizes também todas as pessoas que fazem aniversário no dia deste santo patrono da juventude e modelo de pureza! Meus parabéns a todas!

       Oração a São Luiz de Gonzaga

       Ó Luiz santo, adornado de costumes angélicos, eu, indigníssimo devoto vosso, vos recomendo particularmente a castidade da minha alma e do meu corpo. Peço-vos, pela vossa angélica pureza, me apresenteis ao Cordeiro imaculado Jesus Cristo e a Sua Mãe santíssima, a Virgem das virgens, Maria, e me preserveis de todo o pecado. Não permitais que se implante em minha alma qualquer mancha de impureza; mas, quando me virdes em tentação ou perigo de pecar, afastai para longe de mim os pensamentos e afetos imundos, despertando em minha alma a lembrança da eternidade e de Jesus crucificado. Calai-me profundamente no coração um sentimento do santo temor de Deus, e abrasando-me no amor divino, fazei que vos imite na terra, para que possa gozar convosco de Deus no céu. Amém. 

    EVANGELHO DO 3º DOMINGO DEPOIS DE PENENCOSTES



    S. Lucas XV, 1-10
    Haverá mais júbilo no céu por um pecador que fizer penitência.

    Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!

    "Aproximaram-se de Jesus os publicanos e os pecadores paro o ouvir. Os fariseus e os escribas murmuravam, dizendo: Este recebe os pecadores e come com eles. Jesus, propôs-lhes, então esta parábola": a parábola da ovelha tresmalhada, a parábola da dracma perdida (como narra o evangelho seg. S. Luc. XXV, 1-10); em seguida Jesus propõe-lhes ainda a parábola do filho pródigo. Três parábolas para mostrar a misericórdia divina e como ela se exerce. Delas consta todo o capítulo XV de S. Lucas.

    Caríssimos, era mui natural que os publicanos e os pecadores se aproximassem de Jesus para O ouvir. Pois, anunciava uma tão bela doutrina! Jesus pregava uma tão santa moral! Por ser pecadores, estes homens não deixavam de ser também sensíveis ao verdadeiro, ao justo e ao belo. Na verdade, esta doutrina era elevada e sublime; esta moral era grave e austera. Mas a doçura de Jesus, sua bondade, sua afabilidade temperavam tão bem o que sua doutrina e sua moral pudessem oferecer de severo! Os pecadores sabiam que Jesus era um médico que veio para curar nossas doenças, e eles não se iludiam sobre o lamentável estado de suas almas e sentiam que eram doentes; e justamente por isso vinham a Jesus do qual esperavam a sua cura. "E assim, diz Santo Ambrósio, toda alma deve aproximar-se de Jesus Cristo, porque Ele é tudo para nós. Tendes uma ferida a cicatrizar? Ele é remédio. Estais presos ao fogo da febre? Ele é uma fonte refrescante. Estais curvados sob o peso da iniquidade? Ele é a justiça. Tendes necessidade de socorro? Ele é a força. Temeis a morte? Ele é a Vida. Desejais o céu? Ele é o caminho que para lá conduz. Fugis das trevas? Ele é a Luz. Procurais alimento? Ele é um alimento" (Lib., III, de Virginibus).

    Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores e Ele espera-os com paciência, procura-os com solicitude e recebe-os com alegria quando arrependidos se voltam para Ele. É justamente para justificar esta Sua conduta que Nosso Senhor Jesus Cristo propõe aos orgulhosos fariseus e escribas as três parábolas da misericórdia. Com a graça de Deus, meditemos um pouco sobre a primeira.

    "Qual de vós, tendo cem ovelhas, se perde uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto, e vai procurar a que se tinha perdido, até que a encontre? E, tendo-a encontrado, a põe sobre os ombros todo contente; e, indo para casa, chama os seus amigos e vizinhos, dizendo;lhes: Congratulai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha, que se tinha perdido". A ovelha é um animal simples e tímido, que, procurando sua pastagem, afasta-se facilmente do caminho que ela deve seguir e do rebanho ao qual ela deve permanecer unida; e quando se perde é incapaz de reencontrar o seu caminho. É preciso, portanto, que o pastor a ajude e procure-a com cuidado. É bem a nossa imagem. "Todos nós andamos desgarrados como ovelhas errantes; cada um se extraviou por seu caminho" (Isaías LIII, 6). Correndo após o pecado, e levados pelo atrativo da concupiscência, nós caímos nos abismos do mal, e não pensamos mais nem em Deus, nem na salvação, nem no céu. Eis porque Jesus Cristo desceu do Céu. Deixou lá no alto as noventa e nove ovelhas fiéis, isto é, os anjos, para vir aqui em baixo, e correr em socorro da humanidade representada pela ovelha infiel.

    "E quando a encontra, coloca-a sobre seus ombros todo contente". Fatigado o bom Pastor, por suas caminhadas à procura da ovelha errante; tinge as estradas com seu sangue; deixa pedaços de sua carne nos espinheiros da estrada. Ele é que teria necessidade de ser levado depois dos trabalhos penosos que Lhe custaram a procura de sua ovelha. Mas não, Ele não se importa consigo, só pensa na sua ovelha que a põe aos ombros, embora ela se tenha transviado por culpa própria. Ela merecia ser punida, e o pastor indignado teria todo direito de a castigar com seu bastão, fazendo-a caminhar à sua frente. Mas, ao contrário, o bom Pastor além de não a repreender, toma-a amorosamente em seus braços e coloca-a aos ombros, sobre seu pescoço, e leva-a até ao redil, isto é, da terra ao céu. Esta imagem da bondade de Jesus tocou de tal modo os cristãos dos primeiros séculos, que eles não deixaram de O representar sob este tocante símbolo, um pastor levando sua ovelha; encontra-se este símbolo entre as pinturas que ornam ainda as paredes das catacumbas de Roma.

    "E Indo para casa , chama os seus amigos e vizinhos, dizendo-lhes: Congratulai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha, que se tinha perdido". Caríssimos, observai bem esta linguagem: congratulai-vos COMIGO, e não: congratulai-vos com a OVELHA. Explica são Gregório: "A nossa vida, faz Sua alegria. Esta alegria é tão grande que não a pode conter dentro de si. É mister que ela se manifeste para fora, é preciso que ela se expanda, é necessário que dela tome parte os seus amigos, os anjos, que gozam continuamente com sua vista e são mais vizinhos d'Ele que todas as outras criaturas".

    "Digo-vos que do mesmo modo, haverá mais júbilo no céu por um pecador que fizer penitência, que por noventa e nove justos que não têm necessidade de penitência". Portanto, lá no alto do céu, os anjos se interessam por nós. Eles se alegram com a conversão dos pecadores. E Deus se compraz em lhes notificá-la como um bem que lhes toca de perto. Na verdade, os anjos são amigos dos homens. Eles vêem em nós, amigos, criaturas de Deus como eles, espíritos inteligentes como eles, embora mesclados aos corpos; eles sabem que nós somos chamados a participar um dia de sua glória, a ocupar os tronos que a deserção dos anjos rebeldes deixou vacantes. É normal que eles fiquem felizes com o nosso retorno ao bem, com a nossa conversão. De um lado, amam a Deus  e desejam vivamente sua glória e congratulam-se com tudo aquilo que a pode procurar. E a conversão de um pecador é uma vitória alcançada por Deus sobre o mal, é uma alma arrancada às garras do demônio, é um cativo preso ao carro de Jesus  que o conduz ao céu.

    A conversão dum pecador, é portanto o objeto duma grande alegria por parte dos anjos, alegria esta muito maior do que aquela sentida por eles por causa da perseverança de noventa e nove justos; não obviamente porque a perseverança de noventa e nove justos não seja em si mesma um bem muito maior do que a conversão de um só pecador; mas o retorno de um pecador é um bem novo, e por conseguinte mais sensível, mais  comovente que aquele que se tem o costume de gozar por muito tempo, e cuja doçura é por isto mesmo um pouco enfraquecida. A conversão de um pecador é de alguma maneira um novo elemento acrescido à felicidade já tão grande dos anjos.

    Como esta meditação deve alentar os pecadores a se converterem e os pastores a se dedicarem inteiramente, bondosamente, incansavelmente à conversão dos pecadores e hereges.

    Jesus termina a parábola da dracma perdida com o mesmo ensinamento moral com que terminou a da ovelha tresmalhada. Esta repetição e esta insistência indicam bem a verdade, a sinceridade, a vivacidade da alegria causada aos anjos e a Deus mesmo pela conversão dos pecadores.

    Eis alguns lições destas reflexões que acabamos de fazer: 1- Deus não rejeita "a priori" os pecadores, mas os chama a Ele, os instrui, Ele se esforça para os tocar com a sua graça e os reconduzir à virtude, ao bem: "Não vim chamar os justos, mas os pecadores à penitência". 2- Se estas parábolas nos ensinam a misericórdia de Deus, outrossim nos faz ver claramente como e quando ela é exercida. "HAVERÁ MAIS JÚBILO NO CÉU POR UM PECADOR QUE FAZ PENITÊNCIA".  Os Fariseus no tempo de Jesus e os Jansenistas em nossos tempos, não pensam em misericórdia para os pecadores. Só pensam em JUSTIÇA. Por outro lado, os progressistas em nossos dias, só pensam em misericórdia e esta de tal modo deturpada que vem a ser antes impunidade e parece que para eles não há Justiça. Querem acolher e abraçar os pecadores e hereges sem conversão, sem mudança de vida, ou seja, sem penitência. A "misericórdia dos progressistas" não visa tirar o pecado mas tranquilizar o pecador no mesmo. Devemos fazer como o Divino Mestre, procurar a conversão dos pecadores com um zelo cheio de bondade e mansidão; mas acolher com alegria, e admitir à mesa eucarística apenas os que realmente se convertem e fazem penitência. A parábola do filho pródigo que Jesus contou logo em seguida a estas duas, mostra bem isto. Amém!

    sexta-feira, 19 de junho de 2020

    O CORAÇÃO DE JESUS E A SANTÍSSIMA TRINDADE

    LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA
    19º dia de junho

    Estamos contemplando o adorável Coração de Jesus, vivo, palpitante sempre de amor por nós. Meditamos na bondade, ternura, misericórdia e amor do coração de Jesus vivo em sua vida oculta e em sua vida pública, na sua Paixão e Morte e finalmente o adoramos à destra do Eterno Pai após a sua Ascensão. Lá está sempre a interceder por nós, como diz São Paulo. Jesus saiu do Pai e voltou para o Pai. E de lá enviou o Divino Espírito Santo. Assiste a Sua Santa Igreja e mora nas almas em estado de graça. Trabalha sempre no sentido de nos santificar.

    A Segunda Pessoa da Santíssima Trindade é o Filho de Deus. A Terceira Pessoa é o Espírito Santo, amor do Pai e do Filho, amor substancial, eterno, infinito e pessoal como o Pai e o Filho.

    Explica o Símbolo Atanasiano: II. "O Pai não foi feito por ninguém, nem criado, nem gerado. O filho é só do Pai; não feito, não criado, mas gerado. O Espírito Santo é do Pai, e do Filho; não feito, não criado, não gerado, mas procedente. Há, pois, um só Pai, não três Pais; um só Filho, não três Filhos; um só Espírito Santo, não três Espíritos Santos. E nesta Trindade nada existe de anterior ou posterior, nada de maior ou menor; mas todas as três pessoas são coeternas e iguais umas às outras; de sorte que, em tudo, como acima ficou dito, deve ser venerada a unidade na Trindade, e a Trindade na unidade. Quem quer, portanto, salvar-se, assim deve crer a respeito da Santíssima Trindade".

    Podemos resumir assim: O Pai, na infinita perfeição da divina natureza, se vê na infinita intelecção do Filho, ou seja do Verbo, e o Pai e o Filho se amam no infinito amor do Espírito Santo.

    Na Teologia dizemos que Jesus Cristo é a imagem consubstancial ao Pai Eterno. É a imagem da substância divina e podemos dizer outrossim que o Filho de Deus é a imagem da bondade do Pai. Trata-se aqui também de uma verdade dogmática. Jesus disse ao doutor da Lei que O chamava de Bom: "Ninguém é bom a não ser Deus", só Deus é Bom. Logo o Filho de Deus é a imagem infinita da bondade do Pai Eterno. Santo Tomás de Aquino explica que Deus é metafisicamente bom, porque tem em sua própria essência as razões de sua própria existência e, nele, essência e existência distintas em todos os outros seres, são uma e a mesma coisa. Deus é metafísica e fisicamente bom. É metafisicamente bom porque possui todas as qualidades que são próprias à plenitude da sua natureza. Deus é fisicamente bom, porque sendo eterno e infinito, nada pode faltar à sua plenitude. Devemos dizer que Deus é a bondade metafísica, a bondade física e a bondade moral, no sentido eterno e absoluto. Deus é a própria Bondade.  Sendo Jesus Cristo o Filho de Deus, é a imagem consubstancial ao Pai. Isto quer dizer que Jesus é a imagem do Pai na mesma unidade substancial, embora Pessoa distinta. Ora, imagem consubstancial da bondade de Deus é a própria bondade. Logo, Jesus, o Filho de Deus, é infinitamente bom.

    Caríssimos, vede onde queremos chegar com estas explicações teológicas e filosóficas: Se Deus é a própria Bondade e o Filho tem a mesma natureza do Pai, logo o Filho de Deus é também a própria Bondade. Mas a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade uniu-se á natureza humana, e assim devemos dizer que o Filho de Deus ungiu o seu coração humano com a sua bondade divina. Longino que abriu o lado de Jesus, fê-lo com certeza inspirado pelo próprio divino Mestre. O Coração aberto de Jesus, eis a porta por onde a bondade divina pudesse se manifestar em uma torrente de água viva que se precipitou sobre a humanidade.

    Para glória de sua bondade infinita, o Coração de Jesus operou uma nova criação, muito mais maravilhosa que a primeira, ou seja a salvação dos homens. "Amou-me e se entregou a si mesmo por mim". Amém!

    quinta-feira, 18 de junho de 2020

    FESTA DO CORAÇÃO DE JESUS

    O CORAÇÃO DE JESUS

                                                              Dom Fernando Arêas Rifan*

    O mês de junho, em que festejamos vários santos padroeiros, Santo Antônio, São Pedro e São Paulo, São João Batista, os santos juninos, é dedicado especialmente ao Sagrado Coração de Jesus, cuja solenidade celebraremos na próxima sexta-feira.
    Deus não tem coração, porque, sendo um espírito perfeitíssimo, não tem corpo. Tem muito mais do que um simples coração, tem todas as perfeições divinas de que são cópia imperfeita o coração humano: o sentimento, o amor, a piedade, a compaixão, etc.  Mas Jesus Cristo, Deus feito homem, esse sim tem um coração como nós, o coração do homem-Deus, com todas as perfeições divinas e humanas, num coração perfeito.
    Jesus nos ama com todos os atributos divinos, com sua onisciência, onipotência e misericórdia infinitas, e todos as qualidades de um coração humano perfeito, o amor, a compreensão, a compaixão, porque, sendo homem como nós, em tudo semelhante a nós, exceto no pecado, ele conhece por experiência os sentimentos do coração humano.
    Por isso, ele quis sentir tristeza, depressão, medo, pavor do sofrimento, tristeza pelas ofensas dos inimigos, decepção pelo abandono dos amigos; chorou quando morreu seu amigo Lázaro, reclamou da ingratidão dos leprosos curados por ele. Mas, sobretudo, mostrou o que há de mais perfeito no coração humano: o amor aos inimigos e o perdão para eles: “Pai, perdoai-lhes porque não sabem o que fazem!”. Recebia as crianças, sem excluir ninguém, tinha preferência pelos pobres e desprezados da sociedade. Fez milagres em favor dos pagãos, recebeu a pecadora, mesmo levantando por isso crítica dos seus inimigos. Enfim, um coração perfeito, digno de ser imitado por nós.
    Desde a sua Encarnação e de Belém, o seu coração batia de amor por nós: o seu primeiro milagre, nas Bodas de Caná, foi uma delicadeza para com os noivos, para que não passassem vergonha na sua festa de casamento; a cura do cego, foi atendendo um simples pedido; o milagre da cura da estrangeira cananeia e a multiplicação dos pães por pena da multidão que o seguia. Ele é verdadeiramente o Bom Pastor, que dá a vida pelas suas ovelhas. E amou-nos até o fim, até dar a sua vida por nós, e ter o seu coração transpassado pela lança no Calvário. Ressuscitado, continua a nos amar com o seu coração divino-humano.
    E, presente na Eucaristia, como Homem-Deus, com seu Corpo, Sangue, Alma e Divindade, ele continua nos amando com esse coração sublime, sempre intercedendo por nós, sua raça, junto do Pai Eterno.
    O Coração de Jesus, sempre batendo forte por cada um de nós, nos assegura que Deus é bom, que nos ama, que ninguém deve desesperar da sua salvação, que temos um amigo especial, que, sendo Deus, pode tudo, e, sendo homem, compreende as nossas fraquezas, desilusões, tristezas e misérias, pois ele sabe “de que barro somos feitos”. Amemos, pois, o Coração de Jesus, porque “ele nos amou primeiro” (1 Jo 4,19). 
                                                                                                                                                                                                                                                                                               
            *Bispo da Administração Apostólica Pessoal
                                                                             São João Maria Vianney
                                                                        http://domfernandorifan.blogspot.com.br/

    O CORAÇÃO DE JESUS NA SUA ASCENSÃO

    LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA
    18ª dia de junho

    O Apóstolo São Paulo na Epístola aos Romanos, capítulo VI, versículo 9, diz: "Cristo ressuscitado dos mortos, não morre mais". Nosso Senhor Jesus Cristo ressuscitou imortal e impassível. E São Lucas nos Atos dos Apóstolos I, 1-3 diz: Na primeira narração, ó Teófilo, falei de todas as coisas que Jesus começou a fazer e a ensinar até ao dia em que, tendo dado as suas instruções por meio do Espírito Santo aos apóstolos que tinha escolhido, foi arrebatado(ao céu); aos quais também se manifestou vivo, depois da sua paixão, com muitas provas, aparecendo-lhes por quarenta dias e falando do reino de Deus". Em seguida, São Lucas relata as últimas instruções de Jesus revelando que seus apóstolos receberiam dentro de poucos dias o Espírito Santo. Depois elevou-se à vista deles; e uma nuvem o ocultou aos seus olhos. Isto se deu no Monte das Oliveiras na presença de Sua Santíssima Mãe e dos Apóstolos, e de muitos outros discípulos.

    Depois da ressurreição, como atesta São Lucas, Jesus se manifestou vivo aparecendo-lhes naqueles quarenta dias. Nesta aparições Jesus fez questão de demonstrar que era Ele mesmo com o seu corpo. Mostrou aos Apóstolos as suas chagas. Jesus ressuscitou glorioso, e portanto seu corpo é real mas transformado, resplandecente de glória. Assim estavam suas chagas, inclusive a do Seu Coração adorável. O Apóstolo Tomé as tocou com o dedo.
    Jesus levou consigo como troféu da sua vitória, as almas santas, que tinha tirado do limbo dos justos ou Seio de Abraão.

    Caríssimos, nossa pequenez não é capaz de formar um ideia exata do júbilo de toda a Corte celestial, á entrada de Nosso Senhor Jesus Cristo no Paraíso. São Boaventura imaginava ver os nove coros de Anjos e ainda os Santos Patriarcas, os profetas e todos os justos do Antigo Testamento, que acabaram de entrar após Jesus no Reino Eterno da Glória, vindo sucessivamente celebrar os louvores do Divino Rei e oferecer-Lhe as suas homenagens: "Todos se alegram, diz o santo, todos se regozijam, todos aplaudem. Então ressoa por todo o âmbito da celestial Jerusalém o cântico de alegria, o Aleluia triunfador".

    Em uníssono todos repetem aquelas palavras do Apocalipse: "Digno é o Cordeiro, que foi sacrificado, de receber o poder, a divindade, a sabedoria, a fortaleza, a honra, a glória e a bênção... pelos séculos dos séculos. Amém (Apocalipse V, 12).

    Eis o momento mais solene: o Pai Eterno recebe seu Filho que se senta à Sua direita, cumprindo-se assim aquela profecia de Davi: "Disse o Senhor ao meu Senhor: senta-te a minha direita" (Salmo 119, 1); o que quer dizer: "Ocupa o mesmo trono; reina e governa comigo sobre tudo o que está criado, com autoridade igual à minha, como Deus, e com poder supremo sobre o céu e a terra, enquanto Homem; "De maneira que Jesus Cristo Nosso Salvador, como Cabeça e Senhor de tudo, está no Céu sobre os Anjos e Arcanjos, sobre as Potestades e Dominações, sobre os Querubins e Serafins.

    Mas Jesus não está ali somente para a sua própria glória, ou para constituir a glória e felicidade dos eleitos; está sobretudo para ser nosso Advogado diante do Pai, orando e intercedendo constantemente em nosso favor. É o que afirma São Paulo: "Porque permanece para sempre, tem um sacerdócio que não passa. Por isso pode salvar perpetuamente os que por ele mesmo se aproximam de Deus, vivendo sempre para interceder por nós" (Hebreus VII, 24 e 25). E assim, para interceder por nós, Jesus Cristo apresenta seu Coração aberto, e as suas outras chagas resplandecentes de glória. Apresenta a Seu Pai os méritos de seu precioso Sangue, derramado pela salvação da humanidade. Este Sangue de valor infinito foi derramado realmente uma vez na cruz, e misticamente quantas vezes se imola e oferece no altar quando os sacerdotes celebram o Santo Sacrifício da Missa. Eis, caríssimos, toda nossa esperança!

    Jesu Cristo, pois, está vivo no Céu, vivo e glorioso com seu corpo, sangue, alma e Divindade. Portanto está com o Seu Sacratíssimo Coração. Ali Ele nos espera, para ser um dia a nossa recompensa eterna. Amemos a Jesus porque Ele merece todo nosso amor. Amemos este Coração Divino que contemplamos enquanto esteve aqui entre nós, e que a modo de substância estará ainda conosco até o fim do mundo  na Santíssima Eucaristia,  quando então, pela sua misericórdia, temos a esperança de contemplar e adorar eternamente na Jerusalém celeste.Amém!

    quarta-feira, 17 de junho de 2020

    A ABSOLVIÇÃO SACRAMENTAL DÁ A GRAÇA SANTIFICANTE

    LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA, dia 17º

     A pessoa, com o pecado mortal, perde a graça santificante. Se foi o primeiro pecado mortal, perde a graça santificante recebida no batismo. Isto significa perder a inocência batismal. Quando o pecador, depois de ter recuperado a graça santificante, torna-a a perder, aí vem a segunda tábua de salvação que é o Sacramento da Confissão. Neste segundo caso, pela absolvição sacramental, o pecador recupera a graça santificante que tinha perdido.

    Caríssimos, devemos observar a imensa diferença entre o perdão que os homens dão e o perdão que Deus dá. Quando os homens se decidem a perdoar as ofensas que lhes foram feitas, não tornam mais a ter os sentimentos de benevolência de que eram anteriormente animados para com aqueles que os ofenderam. Mesmo não guardando rancor, é muito difícil voltar a serem os mesmos, embora perdoem de fato. Deus, porém, não procede assim; perdoando-nos, dá-nos ao mesmo tempo a sua graça, a graça santificante que é o maior de todos os dons. é o SEGUNDO EFEITO da absolvição.

    Meditemos um pouco sobre a graça santificante e teremos mais facilidade em compreender até onde vai o perdão divino. "O dom da graça, diz Santo Tomás, sobrepuja a todos os dons que uma criatura possa receber, visto que participa da mesma natureza de Deus". Dai-me um pecador, o mais miserável que possa haver, desde que ele tenha recebido a santa absolvição e o perdão dos seus pecados, tornar-se-á maior do que todos os reis da terra. Este pensamento arrebatava São Leão: "Reconhece, ó cristão, reconhece tua dignidade, e, tornando-te participante da natureza divina, guarda-te bem de voltares à tua antiga baixeza". Diz o Espírito Santo no livro da Sabedoria VII, 14: "Ela é um tesouro infinito para os homens, e aqueles que dela gozam tornam-se amigos de Deus". "Ó bondade de Deus, exclama S. Gregório, nós não merecemos o título de servos, e Ele digna-se chamar-nos seus amigos". Pela absolvição readquirimos não só a amizade divina, porém, o que é mais honroso ainda, a dignidade de filhos adotivos de Deus. E devemos observar ainda que não se trata de adoção só no papel, isto é, legal em cartório; mas uma adoção pela qual nos tornamos participantes da natureza divina. É claro que não recebemos toda a natureza divina, pois Deus é infinito e nós simples criaturas. Mas a participação da natureza divina pela graça santificante nos torna semelhantes a Deus, e esta participação embora limitada, é real.
    Daí, Pai é o nome com que Jesus Cristo nos ensinou a dirigirmos-nos a Deus que está no Céu. Deus é o Senhor. Mas quer que nos dirijamos a Ele como a um Pai. São João exulta nestes termos: "Considerai que amor o Pai nos testemunhou, querendo que sejamos chamados e que sejamos, efetivamente, filhos de Deus" (S. João III, 1). E não satisfeito de nos dar o título tão honroso e tão excelente de filhos de Deus, tem ainda para conosco os sentimentos e os cuidados de um pai. Ele próprio exprime da mais terna maneira pelo profeta Jeremias, os sentimentos de seu coração paternal: "Efraim não é para mim um filho honrado, um filho da minha ternura? Por isso, embora eu tenha falado contra ele, ainda me lembrei dele. Por isso se comoveram as minhas entranhas por ele; e, compadecido, terei misericórdia dele, diz o Senhor." (Jeremias, XXXI, 20). E em continuação o profeta mostra que Deus terá misericórdia dos pecadores, enviando-lhes o Messias: "Eis que o Senhor criou uma coisa nova sobre a terra: Uma mulher cercará um homem" (Jeremias, XXXI, 22).

    Que há de mais suave e de mais terno do que estas palavras? Esta divina filiação nos dá direito à herança de que Jesus Cristo goza no céu: "Pois, se somos filhos, somos também herdeiros de Deus e co-herdeiros de Jesus Cristo" (Rom. VIII, 17). Somos herdeiros de Deus justamente porque Ele é nosso Pai, e somos co-herdeiros de Jesus Cristo, porque o Salvador é nosso irmão. Assim, temos direito à celeste herança e estamos inscritos entre os cidadãos do céu, benefício supremo pelo qual o Salvador convidou seus apóstolos a se alegrarem: "Alegrai-vos por ter vossos nomes inscritos nos céus" (S. Lucas X, 20).Ora, é certo que o homem, cada vez que cai em pecado mortal, é riscado do livro da vida, e inscrito, ao menos por momentos, no livro da morte eterna. Pois o Senhor disse: "Apagarei do meu livro aquele que tiver pecado contra mim" (Êxodo XXXII, 33). Mais terrível castigo não se pode imaginar. Contudo, tal é a força da absolvição bem recebida, que risca a cédula dos pecados, e inscreve de novo os homens no livro da vida, restituindo-lhes a dignidade de filhos e herdeiros de Deus. Isto prova que a graça é verdadeiramente em nós "o germe da glória", segundo a palavra de Santo Tomás de Aquino. 

    terça-feira, 16 de junho de 2020

    O CORAÇÃO DE JESUS EM ALGUNS FATOS DE SUA VIDA PÚBLICA

    LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA
    16º dia de junho

    Caríssimos, contemplemos agora, embora brevemente, alguns rasgos da inefável e terna caridade do Coração de Jesus.

    Certa vez o divino Mestre caminhava perto do mar da Galileia e subiu a um monte e ali sentou-se. Grande multidão seguira-O. Traziam cegos, mudos, paralíticos, e muitos acometidos de outras enfermidades. Puseram todos estes doentes perto de Jesus. Ele, movido de compaixão, curou-os a todos.

    Feitas estas curas, levantando os olhos, avistou uma imensa multidão, que O seguia, despreocupada do alimento corporal e ávida sobretudo por alimentar suas almas com a doutrina celestial do Mestre divino. Diante deste espetáculo de devotamento e de fé, o Coração de Jesus enterneceu-se e disse aos seus discípulos: "Tenho compaixão desta multidão de gente; porque há três dias que estão comigo, e não têm o que comer; e se os mando para suas casas em jejum desfalecerão pelo caminho, porque alguns deles vieram de muito longe. E lemos no evangelho de S. Mateus XV, 32 e Marcos VIII, 2 e seguintes que tendo mandado que todos se sentassem no chão, realizou o estupendo milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, e, assim, matou a fome corporal também daquele povo. Que bondade e ternura do Coração de Jesus!

    Meditemos em outro fato que S. Lucas narra no seu evangelho capítulo VII, 11-15: Jesus estava a caminho de uma pequena aldeia chamada Naim. Jesus Cristo ia acompanhado dos seus discípulos e de uma grande multidão. Próximo já da porta da cidade, encontram-se com um enterro. O morto era filho único de um pobre viúva. A mãe, mergulhada em profunda dor, derramava abundantes lágrimas. O Coração de Jesus, a vista daquela mãe lagrimosa, comoveu-se profundamente. "Não chores", disse-lhe. Saída esta frase de quaisquer outros lábios, não teria sentido, mas dos lábios do divino Salvador, era uma esperança certa não só de consolo mas de alegria. Só Jesus podia estancar as lágrimas de uma mãe enlutada, porque só Ele podia restituir a vida. E foi o que fez logo a seguir. Abeirando-se do féretro, disse: "Jovem, levanta-te". E logo se levantou o morto e começou a falar. E Jesus entregou-o a sua mãe. Contemplemos a alegria do Coração de Jesus em ver aquela mãe tão feliz abraçada ao seu querido filho, o único arrimo e a maior alegria de sua vida.

    Cena comovente com certeza seria Jesus chorando. E por duas vezes são relatadas as lágrimas de Jesus Cristo: sobre Jerusalém e junto ao túmulo de Lázaro. Do alto do Monte das Oliveiras, na última visita que faria a cidade de Jerusalém, ao avistar lá de cima toda cidade, e ao ver com espírito profético o terrível castigo que esperava esta cidade ingrata e que cometeria o maior crime possível sobre a terra, isto é, o deicídio, Jesus começou a chorar. E disse qual a razão de suas lágrimas: "Se ao menos neste dia, que te é dado, tu também conhecesses o que te pode trazer a paz! Mas agora isto está encoberto aos teus olhos. Porque virão para ti dias em que os teus inimigos se cercarão de trincheiras, te sitiarão, te apertarão por todos os lados, derrubarão por terra a ti e aos teus filhos, que estão dentro de ti e não deixarão em ti pedra sobre pedra, porque não conheceste o tempo em que foste visitada" (S. Lucas VII, 11-1). No local foi construída a igreja do "Dominus Flevit" (= O Senhor chorou) e no seu interior há um mosaico de uma galinha acolhendo debaixo d asas os seus pintainhos. É em lembrança destas ternas palavras saídas do Coração de Jesus: "Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os que te são enviados, quantas vezes eu quis juntar teus filhos, como a galinha recolhe debaixo das asas os seus pintainhos, e tu não quiseste!" (S. Mat. XXIII, 37).


    Quanto às lágrimas de Jesus junto ao túmulo de seu amigo Lázaro de Betânia, fala-nos o evangelista S. João no capítulo XI, versículos de 33 a 36: "Jesus, porém, vendo-a [Maria] chorar, a ela e aos judeus, que tinham ido com ela, comoveu-se profundamente e perturbou-se, e disse: Onde o pusestes? Eles responderam: Senhor, vem ver. Jesus chorou. Disseram por isso os judeus: Vejam como ele o amava". E nós também exclamamos: que imensa ternura e amabilidade neste Coração divino! Amém!

    segunda-feira, 15 de junho de 2020

    O CORAÇÃO DE JESUS NA INSTITUIÇÃO DA EUCARISTIA


    LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA
    15º dia de junho

    Contemplemos o amabilíssimo Coração de Jesus na instituição deste adorável Sacramento. Foi um momento extremamente solene, pois, foi na véspera de Sua Paixão e Morte. Jesus Cristo celebrava a última Páscoa com os seus discípulos no Cenáculo. Poucos momentos antes das cenas dolorosas da sua Paixão. Dentro de algumas horas irá morrer numa Cruz. Como já por várias vezes havia predito, depois ressuscitaria e passados ainda quarenta dias aqui na terra subiria ao Céu para voltar a terra no dia do fim do mundo, para julgar publicamente todos os vivos e os mortos, isto é, os bons e os maus. Então quais teriam sido os sentimentos do Coração de Jesus? Sua atitude será de uma infinita ternura; seu Coração bate com força, com o impulso, um surto de inefável amor: seus lábios revelarão a caridade que arde grandemente em seu Coração: "Desejei ardentemente celebrar esta Páscoa convosco", dirige-se aos seus Apóstolos. Não os quer deixar órfãos. Tomou o pão em sua sacrossantas mãos e disse: "Tomai e comei, isto é o meu Corpo". Igualmente tomando o cálice com vinho em suas mãos disse: "Tomai e bebei, este é o meu Sangue... Fazei isto em memória de mim... Eu sou a vide e vós os sarmentos; o que está em Mim e eu nele, este terá muito fruto... Como o Pai me amou, assim também Eu vos amei. Permanecei no meu amor" (S. Lucas XV, 19 e 20; S. João XV, 4-9). E no mesmo instante em que Nosso Senhor Jesus Cristo pronunciou estas palavras: "Este é o meu Corpo; este é o meu Sangue", por virtude do seu poder infinito, converteu o pão que tinha em suas mãos nos seu sacratíssimo Corpo; e o vinho no seu Sangue. E pelas palavras que ajuntou a seguir: "Fazei isto em memória de mim", deu poder aos seus Apóstolos, e neles a todos os sacerdotes que lhes haviam de suceder no sagrado ministério, para realizarem em seu nome e por sua virtude a mesma conversão e transubstanciação eucarística, quando celebram a Santa Missa, e exatamente no momento da Consagração.

    Assim, caríssimos, Jesus não nos deixou órfãos, sem amparo e sem alimento neste vale de lágrimas. Ele será o Emanuel, isto é, o Deus conosco. Sua carne e seu sangue serão o alimento de nossa almas. Ele permanecerá conosco, outrossim, para Ele mesmo ser o nosso amparo. Os pagãos inventavam inúmeros deuses, mas nunca ousavam imaginar sequer um deus que pudesse estar pertinho deles. O Coração adorável do Filho de Deus humanado quis, através da Santíssima Eucaristia, estar bem junto de nós. Ali no sacrário está portanto o nosso divino Salvador, real e verdadeiramente na Hóstia consagrada. Ali está para nos fazer companhia e ser todo o nosso consolo. É claro que está para receber o tributo de nossa adoração, mas também está para nos dizer: "Quem estiver aflito, acabrunhado, venha a mim e eu vos aliviarei". Que bondade inefável a do Coração de Jesus!!! Está sempre à nossa disposição, não é mister estar marcando audiência, pois está sempre disposto a ouvir as nossas súplicas, acolher as nossas aflições e ser, na santa Comunhão, alimento e vida da nossa alma.  Vede, caríssimos, que grande amor nos manifesta o Coração de Jesus na Eucaristia.

    Terminemos esta nossa leitura espiritual com as reflexões de São Francisco de Sales: "Em nenhuma outra ação se pode considerar Jesus Cristo nem mais terno nem mais amante que na Santa Eucaristia, na qual se reduz, por assim dizer, e se converte paar nós num manjar deleitoso, para entrar nas nossas almas e unir-se estreitamente ao coração dos seus filhos".Amém!


    domingo, 14 de junho de 2020

    SEGUNDO DOMINGO DEPOIS DE PENTECOSTES

    Leituras: Primeira Epístola de São João Apóstolo 3, 13-18.
       Continuação do Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas 14, 16-24:

       "Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus esta parábola: Um homem preparou um grande banquete, para o qual convidou muitas pessoas. E, à hora do banquete, mandou um de seus servos dizer aos convidados que viessem, porque já estava tudo pronto. Todos, porém, unanimemente, começaram a escusar-se. Disse-lhe o primeiro: Comprei uma quinta e preciso ir vê-la; rogo-te que me dês por escusado. Um outro disse: Comprei cinco juntas de bois, e vou experimentá-los; peço-te que me dispenses. Disse um terceiro: Casei-me, e por isso não posso ir. Voltando o servo referiu estas coisas a seu senhor. Então, indignado, o pai de família disse a seu servo: Sai já pelas praças e ruas da cidade, traze aqui os pobres, os aleijados, os cegos e os coxos. E disse o servo: Senhor, está feito o que me mandaste, e ainda há lugar. Respondeu o senhor ao servo: Vai pelos caminhos e cercados, e obriga a gente a entrar para que se encha a minha casa. Eu vos digo, porém, que nenhum daqueles que foram convidados, provará a minha ceia."

       Caríssimos e amados irmãos em Nosso Senhor Jesus Cristo!

       Esta meditação foi extraída do Livro "INTIMIDADE DIVINA" do P. Gabriel de Sta. M. Madalena, da Ordem dos Carmelitas Descalços. 

     1.   O Evangelho deste domingo (Lc. 14, 16-24) harmoniza-se perfeitamente com a festa do Corpo de Deus. "Um homem fez uma grande ceia e convidou a muitos". O homem que faz a ceia é Deus, e a grande ceia é o Seu reino onde as almas encontrarão na terra toda a abundância de bens espirituais e, na outra vida, a felicidade eterna. É este o sentido próprio da parábola, mas nada obsta a que também se possa entender num sentido mais particular, vendo na ceia o banquete eucarístico e no homem que o ofereceu, Jesus, que convida os homens a alimentarem-se da Sua Carne e do Seu Sangue.. "A mesa do Senhor está pronta para nós, canta a Igreja. - A Sabedoria [ou seja o Verbo Encarnado] preparou o vinho e pôs a mesa" (Breviário). O próprio Jesus, ao anunciar a Eucaristia, dirige a todos o Seu convite: "Eu sou o pão da vida; o que vem a mim não terá jamais fome e o que crê em mim não terá jamais sede... Vossos pais comeram o maná no deserto e morreram. Este é o pão que desceu do céu, para que aquele que dele comer não morra" (Jo. 6, 35-50). Jesus não se limita, como os outros homens, a preparar-nos uma ceia, a fazer numerosos convites e a apresentar iguarias excelentes; mas o fato singularíssimo - que nenhum homem por mais rico e poderoso que seja poderá imitar - é que Ele próprio Se oferece como alimento. São João Crisóstomo a quem pretende ver Cristo na Eucaristia com os olhos do corpo, diz: "Pois bem, já O vês, tocas e comes. Tu queres ver as Suas vestes e Ele, ao contrário, concede-te não só vê-Lo, mas até tomá-Lo como alimento, tocá-Lo e recebê-Lo dentro de ti... Aquele a quem os anjos olham temerosos e não ousam contemplar livremente devido ao Seu deslumbrante esplendor, faz-se nosso alimento; nós unimo-nos a Ele e formamos com Cristo um só corpo e uma só carne" (Breviário). 

       2. Jesus não podia oferecer ao homem uma mesa mais rica do que o banquete eucarístico. E de que modo correspondem os homens ao Seu convite para esta mesa? Muitos, como os judeus incrédulos, encolhem os ombros e retiram-se com um sorriso cético nos lábios: "Como pode este dar-nos a comer a sua carne?" (Jo. 6, 53). Mas o que afasta da Eucaristia não é só a falta de fé; esta é muitas vezes acompanhada e não raramente deriva das causas morais de que fala o Evangelho de hoje. "Comprei uma quinta e é-me necessário ir vê-la, rogo-te que me dês por escusado", respondeu um; e outro: "Comprei cinco juntas de bois e vou experimentá-las: rogo-te que me dês por escusado". A excessiva preocupação com os bens terrenos e o apego aos mesmos, o mergulhar-se totalmente nos negócios, são os motivos pelos quais tantos recusam o convite de Jesus. Porém, ainda não é tudo: "Casei-me e por isso não posso ir", respondeu um terceiro. Este representa aqueles que, submersos nos prazeres dos sentidos, perderam a sensibilidade para as coisas do espírito e, em presença delas, continuam o seu caminho, não se lembrando sequer de se desculpar.

       É impossível não estremecer em face da grande cegueira do homem que antepõe ao dom de Cristo, Pão dos anjos e penhor de vida eterna, os interesses terrenos, os vis prazeres dos sentidos, que muito depressa se dissipam como o nevoeiro aos raios do sol. 

       Terminemos com Santo Agostinho: "Ó Senhor, aproximar-me-ei com fé da Vossa mesa, participando dela para ser por ela vivificado. Fazei, Senhor, que eu seja inebriado pela abundância da Vossa casa, e dai-me a beber da torrente das Vossas delícias... Fazei que eu me aproxime e me fortaleça; deixai que me aproxime embora mendigo, fraco, aleijado e cego. À Vossa ceia não vêm os homens ricos e saudáveis que julgam caminhar bem e possuir a agudeza de vista, homens muito presunçosos e por consequência, tanto mais incuráveis quanto mais soberbos. Aproximar-me-ei qual mendigo, porque me convidais Vós que, de rico, Vos fizestes pobre por mim, para que a Vossa pobreza enriquecesse a minha mendicidade. Aproximar-me-ei como fraco, porque o médico não é para os que têm saúde senão para os doentes. Aproximar-me-ei como aleijado e Vos direi: 'Dirigi Vós os meus passos pelas Vossas veredas'. Aproximar-me-ei como cego e Vos direi: 'Iluminai os meus olhos, a fim de que eu jamais durma o sono da morte'". Amém!

    O CORAÇÃO DE JESUS E A EUCARISTIA

    LEITURA ESPIRITUAL MEDITADA
    14º  dia de junho

    "Tendo amado os seus que estavam neste mundo, amou-os até o fim" (S. João, XIII, 1)

    Na quinta-feira depois do terceiro domingo após o Pentecostes, celebra a Santa Madre Igreja a Festa do Coração Eucarístico de Jesus.

    Jesus Cristo nos amou até ao extremo, dando-nos todo a nós na Santíssima Eucaristia, Divindade e Humanidade. E no mistério da Eucaristia temos o Coração vivo de Jesus Cristo. Na verdade, se Jesus o Filho de Deus, onipotente e capaz de operar a maravilha das maravilhas, diz-me mostrando o pão: "Isto é o meu corpo", sou obrigado a tomar a sua palavra literalmente, a menos que Ele mesmo me explique doutra forma. Mas Jesus Cristo não o explica: exige  que seus discípulos assim o creiam. É um mistério de fé. E "bem-aventurados os que não viram e creram".

    O Coração de Jesus instituiu a Santíssima Eucaristia de tal modo que as hóstias consagradas pudessem se multiplicar em milhares e milhões sobre a terra. Este prodígio foi possível porque o Corpo de Nosso Senhor Jesus Cristo está na Eucaristia enquanto substância, a modo de substância, como explica Santo Tomás de Aquino. Despojado das proporções que toma a quantidade mensurável de seus elementos e que lhe determinam um lugar nos espaço. Assim, a substância, em si mesma, não tem superfície, nem contorno, nem comprimento, nem largura, nem profundeza. A substância, enquanto substância, é distinta dos seus acidentes, pode ser separada deles, por conseguinte libertada dos limites que aprisionam o corpo. Na Hóstia consagrada vemos as aparências do pão, mas a substância não é mais a de pão, mas sim a substância do Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo.  Esta maneira de ser, diz Santo Tomás de Aquino, é própria do Sacramento do Altar, Jesus Cristo está, aí, presente não como um corpo num lugar, mas sob um modo especial, isto é, a modo de substância. Assim pode estar sacramentalmente presente simultaneamente em todos os lugares do mundo. E também, sendo partida a Hóstia consagrada e, mesmo, em cada fragmento, Jesus está realmente presente. Este é o motivo porque se usa a patena para amparar qualquer fragmento que possa se desprender da Hóstia. 

    A Santíssima Eucaristia é um mistério de fé e também de amor. "Tendo amado os seus que estavam neste mundo, amou-os até o fim". Este "até o fim" é interpretado mais comumente pelos Santos Padres como "até o último limite", "até ao extremo". Jesus Cristo morrendo na Cruz para nos salvar, deu-nos a maior prova de seu amor. Deu a sua vida por nós, para que de escravos do demônio, pudéssemos nos tornar "filhos de Deus e herdeiros do Céu". Quis que Sua imolação por nós se perpetuasse pela Eucaristia como Sacrifício, isto é, pela Santa Missa; e quis que a Eucaristia como sacramento fosse o alimento de nossa alma. Assim, exclama Santo Agostinho: "Sendo poderosíssimo, não poderia fazer mais do que fez; sendo riquíssimo, não teria nada mais precioso para nos dar; sendo sapientíssimo, não saberia nos dar algo melhor". Ele é o sumo Bem e deu-Se a si mesmo através da Santíssima Eucaristia.

    Aqui nos lembramos da estrofe do hino "Adore Te devote": Piedoso Pelicano, Jesus Cristo, lava a imundície da alma com teu sangue, do qual uma só gota salvar pode de toda a culpa, todo o mundo inteiro.

    Santo Tomás com toda propriedade chama Jesus na Eucaristia, de "Piedoso Pelicano". Quantas vezes, caríssimos, ouvimos, enternecidos, a lenda do pelicano: Ouvindo as lamúrias de fome de seus filhotes, o pássaro materno abre as grandes asas e parte. Perscrutou as águas, percorreu matagais e nada encontrou. Pousa sobre um rochedo e ouve o pipilar dos filhinhos famintos. Aproxima-se do ninho, e, de repente, num surto de indescritível ternura maternal, lança-se sobre o ninho. Nada trouxe. Apenas o coração materno. Sem titubear e subitamente  leva o grande bico cortante  sobre o peito e o dilacera. O sangue salta. Os filhos avançam sôfregos sobre coração do pássaro materno e nesta fonte rubra de sangue, sugam e comem loucamente. E o pássaro cai morto vítima de amor pelos seus filhotes.

    Jesus também, para não nos deixar órfãos, sem o alimento da alma, dá-nos a sua Carne e o Seu Sangue precioso no Sacramento da Eucaristia. Agora o Piedoso Pelicano não morre, mas é o seu corpo imolado na Cruz e o seu Sangue derramado aí até a última gota por nosso amor que nos são dados em alimento na Comunhão. Amém!


    sábado, 13 de junho de 2020

    PANEGÍRICO DE SANTO ANTÔNIO DE PÁDUA



    "Qui fecerit et docuerit hic magnus vocabitur in regno coelorum" (S. Mat. V, 19)
    "Aquele que praticar e ensinar esse será chamado grande no reino do céu".


    Da Arca do Testamento, do martelo das heresias, do Defensor da fé, do Lume da Igreja, da maravilha de Itália, da glória de Portugal celebramos hoje a festa. O coração transborda de júbilo, uma expressão de santo orgulho se manifesta a pesar nosso, vendo atravessar as idades mais remotas, um homem, que lançado na arena da humildade, vestido com uma pobre túnica,  cingido de uma corda, tinha só que esperar o esquecimento e o desprezo. Nossa imaginação, no entanto, voa diante destes cânticos, destes hinos de mil povos e mil nações prostrados ao pé deste homem do evangelho, que, não possuindo ouro nem tendo honras, obteve as mais nobres conquistas com esta eloqüência irresistível que o Eterno depositara em seus lábios. Esmagou o crime, confundiu o erro, alcançou os mais assinalados triunfos. Todos os olhos estão fixados neste homem tão extraordinário, a cuja vista, apaga-se o facho da discórdia, tremem os gigantes da terra, e um grito de admiração rompe de todos os lados ouvindo-se dizer que este homem era um filho espiritual de Francisco de Assis e que se chamava Antônio.
    Santo Antônio de Pádua é um dos santos mais populares, mais conhecidos e venerados em todo o mundo. Todos com confiança se dirigem a ele em suas necessidades materiais e espirituais. É invocado e festejado tanto nas soberbas catedrais das grandes cidades como nas capelinhas humildes da roça.
    Santo Antônio nasceu no dia 15 de agosto em 1195. Oito dias depois do nascimento foi o mesmo levado à pia batismal recebendo o nome de Fernando. Nome este depois trocado pelo de Antônio quando entrou na Ordem de S. Francisco. Sua santa e piedosa mãe levando-o para diante de uma imagem de Nossa Senhora, ofereceu-o, consagrando-o e pedindo lhe fosse ela protetora e mãe. Belo costume este de os progenitores consagrarem os filhos a Nossa Senhora!
    "Qui fecerit et docuerit hic magnus vocabitur in regno coelorum". "Aquele que praticar e ensinar esse será chamado grande no reino dos céus". Assim foi Santo Antônio: praticou a virtude, ensinou a verdade, operou milagres, é o santo taumaturgo por excelência; converteu milhares de pecadores e de hereges.
    Os grandes santos que hoje há gozam no céu a visão beatífica de Deus, tinha cada um sua virtude de maior predileção. Uns se fizeram admirar na terra por sua pureza, outros por sua humildade, estes por sua penitência, aqueles por sua caridade. Cada um enfim, tinha o seu característico de mérito, que o distinguia dos outros. Santo Antônio, porém, nos oferece um admirável complexo de todas as virtudes. A sua conduta foi sempre um tocante convite à perfeição e santidade. E em todos os seus atos se divisava uma solene condenação de todos os crimes. Já na idade de cinco anos ele prometeu a Deus guardar intacta a sua virgindade, em honra da pureza da Rainha dos Anjos. E esse voto, emitido em tão tenra idade, foi por ele sempre religiosamente cumprido. Em nenhum momento de sua vida o monstro hediondo da luxúria pôde manchar com sua baba impura a inocência de sua alma. A castidade, essa divina virtude, que confunde o homem com o anjo, que torna uma criatura semelhante a própria Divindade foi a mais linda flor da coroa de méritos, que sempre cingiu a sua fronte.
    Depois de ter recebido uma educação religiosa entre os cônegos da Catedral de Lisboa, Antônio, contando apenas 17 anos parte para Santa Cruz de Coimbra para aí unir ao seu voto de castidade, os de pobreza e obediência. Descendente de uma família nobre, ele avistava no século uma carreira juncada de prazeres, de grandezas e de honras. Calca, porém, aos pés tudo quanto podia afagar a sua carne, e acariciar o seu orgulho, para se consagrar exclusivamente aos santos exercícios da religião e da caridade. Com as pompas e riquezas mundanas ele abandona parentes e amigos, pai e mãe, para se entregar inteiramente ao serviço de Deus.
    Depois de oito anos de residência neste mosteiro, os seus confrades, não admiravam a sua vasta erudição, como também já o consideravam  como um anjo de piedade, de pureza e de caridade. Antônio, no entanto, não estava ainda satisfeito; desejava ardentemente selar a sua fé com a efusão de seu sangue pelo martírio. Para ver se realizava este seu desejo, foi se unir aos Franciscanos, que enviavam missionários a Marrocos onde então se exercia contra eles uma atroz e sanguinolenta perseguição. A Providência, porém, que lhe aguardava um outro destino, frustrou as suas heroicas tentativas. Na hora de pisar na arena, em que pretendia conquistar a palma do martírio ele foi acometido duma grave enfermidade, que o obrigou a regressar para o seu convento. Não devendo por determinação divina avistar a sua cara pátria, quando o barco que o conduzia, se aproximava das costas de Espanha, uma furiosa tempestade o arremessou para Sicília. Daí, por ordem de seu superior, partiu para o monte Paulo, para celebrar missas num convento de irmãos leigos. A sua vida neste mosteiro foi a dum verdadeiro anacoreta: jejuava a pão e água, passava as noites inteiras em fervorosas orações; fazia jorrar na terra o seu sangue sob os rudes golpes duma disciplina. Foi assim que Deus o quis preparar para o brilhante apostolado que lhe estava reservado. Aí no eremitério Santo Antônio vivia só para Deus e a santificação própria. Foi somente por uns nove meses que o Taumaturgo gozou das delícias da vida solitária. Deus, porém, achou o tempo suficiente para coroar o seu servo também diante dos homens com a coroa de glória de que a sua fronte já estava cingida diante de Deus. Sendo daí chamado para assistir a celebração dum capítulo geral ele foi por seu superior, obrigado a falar perante as mais distintas notabilidades. A vista de sua extrema modéstia e profunda humildade ninguém confiava em sua ciência e ilustração; entretanto que, apenas tomou a palavra, de seus lábios se desprenderam passagens tão admiráveis dos Santos Padres, imagens tão belas das Escrituras Sagradas, pensamentos tão sublimes e tocantes que encheram a todos os seus ouvintes de admiração e espanto. A maior parte dos religiosos, extasiados e derramando lágrimas, confessavam nunca ter ouvido um discurso tão eloquente, nem orador tão veemente. O auditório quedou estupefato, todos pendiam de seus lábios. Não restava dúvida: Deus queria revelar um apóstolo de sua palavra, queria colocar o seu servo sobre o candeeiro para com a luz de sua doutrina e exemplo de santidade iluminar os povos. Por isso será grande: "Qui fecerit et docuerit magnus vocabitur".
    Assim inicia seu apostolado público convertendo milhares e milhares de pecadores. Antônio era tudo para todos, abrasado nas chamas desta caridade que não conhece exceções mesquinhas e odiosas, ele mostra os flagelos da cólera divina prontos a subterrar os perjuros, e oferece a reconciliação à consciências dilaceradas. Tão rica mas tão variada, a linguagem deste home apostólico apresenta com assombro este contraste maravilhoso, cujos efeitos são rápidos e seguros. Umas vezes é uma torrente transbordada, que precipita com estrondo suas águas espumosas; outras vezes é um rio plácido e sereno que fertiliza os campos e fecunda os prados que bordam suas margens. Aqui é o raio que espanta, estue, abrasa; ali é um fogo lento e suave, uma luz pura e silenciosa que gradualmente se fortifica e ilumina sem esforço.
    Antônio depois de entornar as ondas da ciência com que o Senhor o dotara ensinando a teologia e interpretando os Livros Santos em Montpellier, em Tolosa, em Pádua, depois de reformar os costumes e a moral pública desde o interior da Itália até as províncias meridionais da França, refreia em Grenoble a audácia dos sacramentários, confunde os hereges com o aparato de seus milagres e restaura o dogma primitivo da presença real de Jesus Cristo na Eucaristia. Foi verdadeiramente um muro de ferro em torno do rebanho de Jesus Cristo, a fim de preservá-lo da surpresa dos inimigos, e uma barreira inexpugnável à inundação dos males que alagava já todo orbe. Deus o revestiu de fortaleza no meio dos acasos, entregou-lhe o coração dos príncipes e fez estalar em suas mãos a lança dos bravos, como diz a Sagrada Escritura, sem  que o som belicoso dos tambores e o tinido das espadas pudessem assustar sua firmeza, nem abalar sua constância.
    O seu zelo abrasador o impelia a arguir em face os horrendos crimes dos maiores potentados da terra, como o tirano Azzelino. Combateu tão denodadamente a heresia, converteu tantos hereges que chegou a ser qualificado de martelo das heresias e flagelo de todos os hereges. São Gregório descreve todas as suas virtudes e o seu apostolado dizendo que Antônio foi um João Batista pela pureza de sua vida e austeridades de sua penitência. Um Pedro pelo seu zelo na conversão dos pecadores, Um Paulo pela força e veemência de sua pregação.
    Depois de tanto amar a virtude e odiar o vício, depois de tanto combater o erro e ensinar a verdade, Antônio coroou a vida dum grande apóstolo, pela morte dum grande santo. O discípulo da Cruz não podia mais conter o incêndio de amor que o abrasava. Suas forças esgotadas com suas macerações, seus estudos, e seus trabalhos evangélicos, não podiam reagir contra a violência da febre que o devorava. Antônio está em Pádua rodeado de seus irmãos, que choram sua perda. Recebeu os últimos sacramentos. Seu rosto brilha de felicidade. Em seguida, moribundo entoou o seu hino predileto: O gloriosa Domina, excelsa super sidera. O gloriosa Senhora sublimada acima das estrelas. Depois levantou os olhos ao céu e permaneceu assim algum tempo. o irmão que o encostava nos seus braços perguntou para onde olhava e ele respondeu: "Vidi Dominum". Vi o Senhor. Afugentava com a irradiação de sua face as sombras e palidez da morte. Era o mais belo dos astros que parece aumentar seu brilho no momento em que abandona o horizonte que iluminará com os últimos raios de sua luz. Entrou em agonia e entregou sua alma ao Criador.
    Eclipsara-se o astro fulgurante que tanta luz espargiu na cristandade. Fechara-se a boca que, com tanto ardor e arroubos de eloquência anunciou o Evangelho da salvação. Cerram-se os olhos que em doce enlevo contemplaram os Divino Infante, e ainda antes de se apagar a sua luz, viram a Deus na glória. Deixara de bater o coração que outra coisa não amou senão o Criador e por seu amor as almas imortais. Estava com 44 anos de idade e 10 de profissão. Era a tarde de sexta feira, dia 13 de junho de 1231.
    A vista dum quadro tão majestoso e comovente, quando os povos lamentam a falta deste grande homem, quando a natureza celebra a sua feliz transição e as crianças gritam nas ruas de Pádua: morreu o santo, morreu o santo, ousarei perguntar, onde está a glória de Portugal. A honra daquele povo de Pádua? Onde está o libertador de Itália? Onde está o profeta que sufocou a blasfêmia na boca impura do heresiarca? Mas no instante mesmo que dirijo estas perguntas, ouço as vozes dos anjos que me respondem, Antônio está no céu: o Senhor é sua herança, o Senhor é sua partilha. Sim, aquele que consumiu sua existência na prática do bem, que tanto trabalhou e sofreu para ganhar milhares de almas a Jesus Cristo, que galardão, que prêmio não receberia no céu de Deus que prometeu recompensar até um como d'água dado em seu nome. Ah! Antônio contempla a verdade eterna; goza o soberano bem, está e estará eternamente abrigado no seio da própria Divindade.
    "Qui fecerit et docuerit hic magnus vocabitur in regno coelorum"
    Quão justa, caríssimos devotos de Santo Antônio (e qual católico não o é?) quão justa, digo, a ufania que sentis por este santo cuja língua, depois de vários séculos está conservada: "Língua bendita, diz o Padre Vieira, depois da morte, viva, antes da ressurreição, ressuscitada; apesar da terra,  incorrupta; apesar das cinzas, inteira; apesar da sepultura, imortal; a apesar dos tempos, eterna".  Nossa devoção a este santo é justa, pois ele é realmente grande: Espelho de todas as virtudes, coluna da Igreja, Doutor da verdade, Arca do Testamento, Trombeta do Evangelho. Terror dos demônios, Restituidor das coisas perdidas, Glorioso Taumaturgo, Santo do mundo inteiro. Talvez uma glória lhe faltasse: a palma do martírio. Mas foi ele mártir pelo desejo. Se belo seria Antônio trazer na mão a palma do martírio, mais belo ainda é ter nos braços o Menino Jesus, a coroa dos mártires.
    Santo Antônio foi grande neste terra, maior ainda no reino dos céus. Já fez séculos que foi tomar posse do eminentíssimo lugar que tem na corte do céu. "Magnus in regno coelorum'. Mas nem por isso em todos os anos e dias de tantos séculos deixou de estar sempre conosco na terra. Quando vivia estava juntamente em diferentes lugares, agora está em todos os do mundo. Neste mesmo dia, e nesta mesma hora em que nós celebramos a Santo Antônio na América, o celebram e festejam em todos os estados dos países de todos os continentes do orbe. Nenhuma ação, pois, nem estado há nele, que nos trabalhos e necessidades a que todos estão expostos, grandes e pequenos, não invoque e chame por Santo Antônio e nenhuma voz há dos que o invocam a que ele não responda: aqui estou. "Os lavradores nos campos, diz o Padre Viera, os navegantes no mar, os soldados na guerra, os presos nos cárceres, os cativos nas masmorras, os enfermos nas doenças, os agonizantes na morte, e até os mortos nas sepulturas, acham em Antônio o consolador".
    Assim, caríssimos, é tão grande o nosso santo que não há tempo para descrever todas as suas prerrogativas, tudo o que fez e ensinou. Quem poderá enumerar seus milagres? Não obstante, quem de nós não os conhece? Quem é que não tenha lido ou ouvido falar da mula do judeu Bonvillo que, por ordem do santo se prostrou de joelhos na presença do SS. Sacramento? Quem não conhece suas profecias, suas revelações de segredos íntimos, as curas maravilhosas, as ressurreições de mortos, entre os quais um, que por um instante voltou à vida para que o pai de Santo Antônio não perdesse a sua? Quem é que não conhece aquele milagre da pregação aos peixes, onde santo Antônio se fez primeiro pescador de peixes não com redes senão com a pregação da palavra de Deus, e da pescaria da mesma palavra fez as redes com pescou os homens, porque os hereges que não o queriam ouvir, com a evidência e assombro do mesmo milagre, vencidos e convencidos, se converteram.
    Caríssimos, se desejais ser verdadeiros devotos de Santo Antônio, o martelo das heresias, rejeitai o Modernismo que é a reunião de todas. Imitai as virtudes de Santo Antônio e rejeitai assim o comodismo da heresia progressista. Aproveitai os belos exemplos da conduta desta santo. Com ele convencei-vos de que não podemos ser verdadeiramente felizes nem na vida, nem na morte, nem na terra nem no céu, nem no tempo, nem na eternidade, senão com pureza de consciência, com a intima e estreita amizade de Deus, com a íntegra fidelidade à doutrina tradicional, viva e perene da Santa Madre Igreja.

    E vós, glorioso Santo Antônio esquecei-vos por um momento de vossa glória e felicidade eterna para lançar as vossas vistas propícias sobre os católicos que hoje imploram a vossa valiosa proteção; fazei com que do céu se derramem torrentes de graças sobre os  nossos corações. Ó martelo das heresias, não permitais  que o Modernismo continue vingando e tomando conta da Igreja. Que jamais falte na Igreja estes padres tradicionalistas para que levem os fiéis a trilhar o mesmo caminho que seguistes a assim possam pastores e ovelhas chegarem a mesmo Jerusalém celeste, e felizes convosco participem das recompensas eternas merecidas na verdadeira Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém!